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Poder Judiciário de Mato Grosso

 
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09.03.2015 16:31

Dicas do Professor Germano - Vítima Fatal
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 Vítima fatal: impropriedade

No corre-corre do dia a dia, certas coisas se revelam inconvenientes. O melhor que fazer é deixá-las de lado. Que tal usarmos os dentes para abrir uma garrafa de cerveja? Longe disso!

Também no mundo das palavras, o encontro de um substantivo com um adjetivo nem sempre propicia casamento duradouro, em que a vida a dois transcorre às boas. É o caso de vítima fatal: constitui impropriedade gramatical. Postos rosto a rosto, os termos não se bicam. Xô!

Por que, então, os noticiários de plantão, a toda hora, nos bombardeiam com a expressão vítima fatal?

Creio que isso ocorre por desconhecimento, somado ao fato de que o inadequado, qual erva daninha, se propaga à larga. Há até daqueles que julgam se tratar de coisa chique, imprimindo charme a quem dela faz uso. Mas não é.

Toda atenção para esta frase: Em meio às vítimas do incêndio, havia um estrangeiro. Paira no ar que a palavra vítima, solteira, sem apoio de adjetivo, não se faz bastante para esclarecer a questão. Pergunta-se: as vítimas desse incêndio morreram de fato, ou foram lesionadas?

A razão dessa dúvida reside nisto: o termo vítima abraça uma significação bastante aberta. O Houaiss nos ilumina: pessoa ferida, violentada, torturada, assassinada ou executada por outra. De quebra, este exemplo: A vítima foi ferida à faca.

No caso, não fica claro se a pessoa esfaqueada foi a óbito ou não. Sentimo-nos impelidos a arranjar-lhe companhia: vítima fatal. Lado a lado, parece que a dúvida se dissipa: a facada foi mortal. Letal mesmo! Esta, no entanto, não é a saída.

Digamos com todas as letras: o adjetivo fatal não lhe cai nas graças. Não serve para ser a tampa de sua panela. Daí, é óbvio, não pode dar casamento.

No pau da viola, qual é o significado de fatal? É o que vamos a ver. Comendo pelas beiradas, como diz o bom mineiro.

Lá no tempo de César, fatal, em seu sentido primeiro, se ligava a fado, destino. Daí significar aquilo que a ninguém é dado interromper. Está como que traçado, determinado: A morte nos é fatal, não há quem dela escape.

Também abarca este significado: desgraça sem tamanho, algo que nos conduz à infelicidade. O filme Mulher fatal estonteia. Carinhosa ao extremo, ela derrama todo seu charme sobre o freguês para, com seu fascínio, levá-lo às teias da miséria. Erro fatal!

No âmbito do Direito, de onde em onde fazemos alusão a prazo fatal. Sentido de improrrogável, final: Tinha o dia 30 de dezembro como data fatal para a entrega do relatório.

Por vezes, encerra o significado de importância decisiva: A opinião do assessor jurídico foi fatal para a deliberação do presidente do Tribunal.

A despeito desse leque de sentidos, aquele que de perto nos interessa é outro: o que causa ou pode causar a morte. Portanto letal, mortal.

Correto é dizer: houve um acidente fatal com cinco vítimas. Vamos combinar: o acidente pode ser fatal, pode causar a morte. De igual modo, temos a queda fatal, a doença fatal, a batida fatal, o choque fatal. Assim: Um golpe fatal ceifou-lhe a vida. Mais esta: Passando pela avenida, recebeu um tiro fatal.

A vítima, no entanto, não pode de jeito algum ser fatal. Isto é: ela não pode provocar a morte. Pelo contrário, ela sofre a morte.

Rendamo-nos ao que é relevante: a vítima não mata ninguém. Nem condições tem de fazê-lo. Ela é tão somente vítima de algo que lhe foi fatal.

Há bem pouco, a televisão estampava: Na véspera da Páscoa, dois acidentes deixaram quinze feridos e uma vítima fatal. Nada disso! Joguemos esse chavão no lugar que lhe é devido.  De modo simples mas correto, digamos: deixaram quinze feridos e um morto.

Um parêntese. Não é adequado dizer: Fulano veio a óbito. Aí não cabe o verbo vir. Repórter que é bom emprega o verbo ir: Na mesa de operação, meu vizinho foi a óbito.

Meus amigos advogados deveriam, de forma definitiva, abster-se desta impropriedade: vítima fatal. Usá-la é comprometer seu texto. Pior: emporcalha seu nome.

Conclusão: não mais usemos a insossa expressão vítima fatal. Cuida-se de impropriedade das graúdas. O baú de coisas pouco usadas, lá é seu lugar.

Basta!

Professor Germano Aleixo Filho,
Assessor da Presidência do TJMT.