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16.04.2015 10:56

Dicas do Professor Germano - Pego
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  Ele foi pego (ê) ou pego (é) em flagrante
 

Um ex-aluno me pergunta: O correto é dizer ele foi pego (ê) ou ele foi pego (é)? Eis a resposta, não antes de esclarecer que, já algum tempo, este tema está na forja.

 

Seja qual seja a pronúncia, observamos que pego,na frase acima, está associado ao verbo auxiliar ser: ele foi pego. É portanto particípio. Nada diverso de pago (foi pago), ganho (foi ganho) e gasto (foi gasto).

 

Ressalte-se contudo que, na marcha do tempo, apenas o particípio regular pegado tinha foros – aqui no sentido de privilégios – de cidade em nosso idioma. Dono do pedaço, imperava. Sobre sua legitimidade não pairavam quaisquer dúvidas: contava com o aval dos clássicos e dos gramáticos. Ai de quem ousasse fazer uso do particípio irregular pego. Guilhotina nele!

 

Podemos empregar pegado com qualquer verbo auxiliar: ter, haver ou ser. Exemplos não faltam: Meu vizinho tinha pegado um belo matrinxã. O psicopata havia pegado trinta anos de cadeia. O assaltante foi pegado de jeito. De qualquer forma, fica-nos a impressão de que pegado soa melhor com ter e haver.

 

Na área jurídica, onde viceja a norma culta, a indecisão não nos deve ser companheira: pegado deve triunfar. Soberano. Traduz o particípio literário, sob a tutela da tradição. Assim: O magistrado já tinha pegado a documentação. O que havia pegado era a falta de preparo do advogado.

 

A alguns, destoa-lhes o pegado. Dizem que os ouvidos o repelem. Se você for um deles, recorra a sinônimos, tão bons quanto. A polícia tinha apanhado o ladrão. Tinha detido o ladrão. Tinha surpreendido o ladrão. Até colhido se apropria a este contexto: O patrão tinha colhido seu empregado com a boca na botija. Outra saída: O morador tinha pilhado o gatuno roubando. O povo tem das suas: A polícia tinha pescado o gatuno roubando um paralítico.

 

Voltemos ao pego: como particípio irregular, o indigesto acabou pegando. Caiu nas graças do povo. Se, em épocas não distantes, seu emprego não era considerado de bom-tom, hoje ganhou status de gente civilizada. Qualquer gramática o acolhe.

 

Cá entre nós: no tocante à forma pego, o melhor a fazer é reservá-la para textos descontraídos. Condiz com a linguagem informal: aquela que – fim de tarde, ladeados de amigos – usamos à mesa de bar, tomando um delicioso chopinho. Mãos à obra: Fomos pegos desprevenidos. A polícia tem pego pesado com os sequestradores. Havia pego um resfriado muito forte. Nossos ouvidos confirmam que pego se afeiçoa melhormente ao verbo ser: Fui pego de surpresa.

 

Há “especialistas”, até mesmo do campo do Direito, que torcem o nariz ao ouvir o popular pego. Outros, agarrados aos clássicos, negam-lhe a existência. Aí já é de mais. Como assegurar que não existe, se com ele topamos a toda hora?

 

Centremo-nos no foco desta coluna: a pronúncia é pego (ê) ou pego (é)? De saída, demos a palavra ao dicionário da Academia Brasileira, 2. ed. Na p. 36, está lá o pego, ora fechado (pêgo), ora aberto (pégo). Significa que ambas as formas são abraçadas pela Academia.

 

Meu santo não bate com o “pégo”. Fique claro no entanto que, quanto a isso, pouco importa minha predileção ou a de quem quer que seja. Embora muitos, no percorrerem a mesma trilha, julguem que “pégo” transpira algo horroroso, isso não quer dizer que, por usá-lo, mereço ser atirado no fogo do inferno. Devagar com o andor! Essa, aliás, é a pronúncia que vinga no Nordeste. Já no Sudeste, o “pêgo” campeia sorridente, camisa solta ao vento: O touro foi pego (ê) à unha.

 

Oportuno é lembrar que os dicionaristas Aurélio e Houaiss – de perto acompanhados pelo prof. Kaspary em seu imprescindível Habeas verba – seguem o entendimento da Academia. Abrem alas para as duas formas: pego (ê) e pego (é). Não se trata, todavia, de posição pacificada.

 

Registre-se que Cegalla, Napoleão Mendes e Sacconi são ferrenhos defensores de pego (ê). Desconhecem pego (é). No Dicionário de dificuldades da língua portuguesa, o prof. Cegalla é categórico: a pronúncia correta é pego (ê).

 

Caminhemos para o desfecho. Os que pugnam contra o particípio pego – seja ele fechado “pêgo”, seja ele aberto “pégo” – são vozes que bradam no deserto. Não mais entoam nos dias de hoje, podendo ser contados pelos dedos. Formam um exército inexpressivo.

 

Há exemplos de “pégo” desfraldados por autores de boa nota. No dicionário do Aurélio, a comprová-lo, uma frase de Drummond: Que faz um passarinho fora das gaiolas? – Às vezes não sabe mais voar, e é pego de novo. Curioso: até o poeta e contista mineiro de Itabira usa pego (é). Fazer o quê?

 

Um esclarecimento: a pronúncia “pégo” é a única apropriada ao presente do indicativo: eu pego, tu pegas, ele pega...Vamos lá: Não pego carona com estranhos. De um nada, pego resfriado. Quase não pego a primeira aula. Observamos que, no caso, ele não é antecedido de verbo auxiliar: ele foi pego/ ele tinha pego. Aqui é particípio.

 

Outro adendo: pego (é) se usa como mero substantivo, no sentido de parte mais funda do mar, pélago. Figuradamente, vale por abismo: Nestes tempos, quantos não se encharcam num pego de corrupção!

 

De tudo se pode concluir que os particípios pegado e pego – ora aberto (pégo), ora fechado (pêgo) – são adequados. Contam com a chancela da Academia e de abalizados dicionaristas. Quem diz que o pego é inadequado, com certeza não viu o tempo passar. Mais que isso: não vale a pena dar murro em faca de ponta.

 

Não me acanha afirmar que pego – antes desmerecido aos olhos da corte, tido por incorreto, modo de falar característico da arraia-miúda – ganha cada vez mais terreno. Convive numa boa com pegado, particípio regular, forma que passeava, soberba, pelos palácios da cultura.

 

Basta!

 

Professor Germano Aleixo Filho,
Assessor da Presidência do TJMT.