30.04.2015 11:23
Dicas do Professor Germano - Se & Para
Num pequeno verso, o poeta Mário Quintana nos deixou uma recomendação que se apropria ao texto de hoje:
Fere de leve a frase... E esquece... Nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.
O poeta gaúcho sabia das coisas: nada convém que se repita. Podemos até recorrer à repetição, desde que torne nosso dizer mais elegante, mais expressivo. Sobretudo mais claro. Um lembrete: nas palavras de Quintana, ferir significa tratar de. Daí: trate bem da frase, isto é, não a maltrate...
Também na linguagem forense, devemos fugir às redundâncias. De modo especial, aqui nos deteremos em considerar uma delas, encontrada vezes sem conta. Refiro-me ao uso das conjunções se caso associadas.
Tanto assimilamos o errado, tanto nos familiarizamos com o torto, que nos chega a causar estranheza o certo. Há uma penca de redundâncias que povoam nossos textos, sem que, nem de longe, tenhamos consciência disso.
Pincemos algumas: défice negativo, demente mental, desfecho final, direito individual de cada um, elo de ligação, empréstimo temporário, erário público, melhorar mais, superavit positivo. Um tanto debochado, diria meu irmão: isso é bem frequente no cotidiano do dia a dia.
Bola pra frente! Fiquemos com a dupla se caso. São conjunções condicionais. Mais que isso: são sinônimas, vinho da mesmíssima pipa. Significa dizer que, ao usá-las emparceiradas, rosto a rosto, imprimimos redundância a nosso texto. Vejamos: Se caso o projeto for aprovado, teremos muito tempo para realizá-lo. Distância dessa forma de dizer ou escrever! Não só enfeia nossa produção, mas consegue desqualificar-nos.
Portanto, jamais usemos se e caso juntas. É feiura desmedida. Em reunião de trabalho, disse-me um colega: Se caso você for, avise-me. Sem palavras! Outra descabida: Se caso o juiz vier, diga que estive à procura dele.
Em miúdos, digamos as razões por que essas frases são desmerecidas. Não bastasse o inadequado uso de duas conjunções com igual valor, é relevante acentuar que cada uma se realiza num campo bem-definido, dado que recorrem a tempo verbal diferenciado.
Vamos lá! Enquanto a conjunção caso exige o verbo no presente do subjuntivo, a condicional se reclama pelo futuro do subjuntivo. Haja vista estes exemplos: Caso chova (pres. do subj.), não vá. Caso você fique, é bom avisar. Se eu puder (fut. do subj.), irei a seu gabinete. Se você vier, será bem recebido.
Isso, só isso, seria o bastante para confirmar que, tendo campo de emprego diverso, não podem as duas conjunções ser, ao mesmo tempo, usadas com o futuro do subjuntivo. “Se caso você vier”, nunca mais! É de doer!
É importante esclarecer que o imperfeito do subjuntivo pode ser empregado tanto com uma quanto com outra: Caso chovesse, não iria ao estádio. Caso você ficasse, seria bom avisar. Se eu pudesse, iria ao estádio. Se eu voltasse no tempo, faria tudo diferente.
Assim como a conjunção caso repele o futuro do subjuntivo, a conjunção se, também condicional, não se constrói de jeito nenhum com o presente do subjuntivo. Frases à semelhança destas são inadequadas: Caso você for convidado, não aceite. Caso puder, visite meu irmão que está acidentado. Se aconteça tal coisa, irei embora. Se venha, traga minha mochila.
Um aparte: esta nova frase traz à cena a condicional caso, colada não mais ao se no papel de conjunção, mas na qualidade de pronome apassivador. A presença desse pronome confirma a voz passiva. Vamos a ela: Haveria clareza caso se observasse a regra citada.
Aqui, o uso concomitante de caso e se – a primeira como conjunção, o segundo na condição de pronome – merece aplausos. A oração está na passiva sintética, podendo ser assim desdobrada: Haveria clareza caso fosse observada a regra citada. Palmas também para seu autor!
Releva frisar que, como dissemos, somente a condicional se é usada com o futuro do subjuntivo, tempo verbal que não se confunde com o infinitivo pessoal quando se trata de verbo irregular.
Como distingui-los? É fácil. O futuro do subjuntivo – pelo fato de ter, como antecedente, uma conjunção subordinativa ou um pronome relativo – é diferente do infinitivo pessoal.
Atente para o acerto deste pedaço de frase: se eu vir seu amigo – no sentido de encontrar, e não se eu “ver” seu amigo. Em tempo: na Língua Portuguesa, não existe “se eu ver”, “quando eu ver”, “quem o ver”, “na hora que eu ver”.
Outros mais: se você vier aqui – no sentido de chegar, e não se você “vir” aqui; se o preço lhe convier – e não “convir”; se eu intervier no debate – e não “intervir”; se você trouxer meu material – e não “trazer”. As formas negritadas traduzem o futuro do subjuntivo, sempre bem-empregado.
Há que fazer distinção entre a conjunção condicional caso e o advérbio acaso. O que corre bem é se acaso, no sentido de se porventura. Assim: Se, acaso, você se encontrar com o professor, avise-o da reunião. Se acaso você chegar mais cedo, comece o trabalho. Exemplos com inteira propriedade. Deplorável é isto: Se caso você for à livraria, compre este livro para mim. Xô!
O art. 534 do Código de Processo Civil traz a curiosa presença das duas conjunções subordinativas condicionais no mesmo período. Registre-se a omissão do futuro do subjuntivo do verbo ser:
Caso a norma regimental determine a escolha de novo relator, esta recairá, se possível [= se for possível], em juiz que não haja participado do julgamento anterior.
Concluo. William Shakespeare, denominado o poeta da humanidade, usa a condicional se com mãos de mestre:
Se seus sonhos estiverem nas nuvens, não se preocupe. É lá que eles deverão estar. Agora construa os alicerces.
Basta!
Professor Germano Aleixo Filho,
Assessor da Presidência do TJMT.