Enquete
Fechar
Enquetes anteriores

Poder Judiciário de Mato Grosso

 
Notícias

01.07.2015 16:26

Dicas do professor Germano - Crase
Compartilhe
Tamanho do texto:
 
 
 
 Crase diante de nomes genéricos


É curioso como patinhamos no uso do acento grave (`), resultado do fenômeno popularmente conhecido como crase. Muita calma. Sirva-nos de conforto esta frase do poeta Ferreira Gullar: A crase não foi feita para humilhar ninguém.

Em grego, crase significa fusão, mistura. Por se tratar de fenômeno, sua ocorrência independe de nossa vontade. Acontece. E ponto!


Quando escrevemos “fui a feira”, a ausência do acento grave – cuja finalidade é exteriorizar, isto é, revelar, tornar clara a presença da crase – não significa que esta não exista. Longe disso. Queiramos ou não, em “fui a feira” a crase está aí, vivinha da silva. Apenas deixamos de explicitá-la. Primeira conclusão: crase é uma coisa, acento é outra.


Fiquemos com a essência: a crase resulta da junção da preposição a – exigida pelo termo que a antecede – com o artigo definido a, que acompanha o nome feminino que vem após. Daí: Fui à feira. A leitura interessa à criança. Prometo à torcida muito esforço.


No primeiro exemplo — fui à feira —, a preposição se deve ao verbo ir: a gente vai a algum lugar. Já o artigo definido está associado ao substantivo feira, feminino.


Há um expediente prático para verificar a ausência/presença do artigo: construamos uma oração em que o nome feminino exerça o papel de sujeito. Assim: A feira foi sucesso. A feira é uma grande opção. Estranho seria dizer, referindo-se a uma feira já conhecida: Feira foi sucesso. Fica confirmada, portanto, a presença do artigo a, segundo polo da crase. Associado à preposição a, pimba!


Some-se a esse expediente o teste da masculinização: troquemos o nome feminino por um masculino, de significação aproximada. Se resultar ao (a+o), é prova de que, na situação duvidosa, devemos ter à (a+a): Fui ao mercado. Daí: Fui à feira.


Centremo-nos no foco desta coluna. À luz do que vimos, é possível afirmar que a crase não ocorre quando diante de nome feminino usado de forma genérica, indeterminada, indefinida. Imaginemos esta frase: Fraude leva a sonegação excepcional.


E então: com acento grave ou não? A saída é que, antes do substantivo feminino sonegação, coloquemos uma palavra indefinida: uma, alguma, qualquer, nenhuma. Se esta couber, sinaliza que ali havia apenas preposição: Fraude leva a [uma] sonegação especial. Resultado: esse a não pode vir acentuado, porque não houve crase.


De modo prático, consideremos alguns casos que passeiam pelas peças do Judiciário. Costumam perturbar nossa cachola.


O vereador continua respondendo a [uma] ação penal. A possibilidade de inclusão do indefinido uma revela a desnecessidade do acento grave, imposta pela ausência do artigo a. Se, por outro lado, a palavra feminina estiver determinada, haverá crase e, portanto, acento. O vereador continua respondendo à ação do Judiciário.


Se, genericamente, construirmos – O usuário está sujeito a multa –, a crase deixa de ocorrer porque não se trata de multa definida: sujeito a qualquer multa. Crase haverá agora: O usuário está sujeito à multa de R$ 200,00. De modo semelhante se daria com um nome masculino: sujeito a pagamento de multa. Se, no entanto, particularizarmos o pagamento, artigo nele: sujeito ao pagamento da multa que o Código prevê.


Vamos combinar: se não podemos empregar o artigo definido – visto que o substantivo não está determinado –, é impossível a crase. Um adendo: quando a generalidade não se denuncia às claras — com a presença de uma palavra indefinida —, nem sempre é fácil concluir se existe crase ou não. Dois dedos de raciocínio nos ajudarão a desfazer dúvidas.


Outros casos mais. Decisão submetida a votação. Dada sua generalidade, nada de crase. Baste-nos, todavia, que a especifiquemos para que o acento grave tenha sua razão de ser: Decisão submetida à votação do Pleno.


No Manual da boa escrita, a professora Maria Tereza de Queiroz Piacentini esmiúça pontos embaralhados com relação à crase. Propõe esta frase: TRT antecipará pagamento a credora do INSS que sofra de doença grave. À primeira vista, parece que este a deva ser acentuado. Contudo, há um indefinido aí embutido: TRT antecipará pagamento a qualquer credora do INSS que sofra de doença grave. Se o artigo definido não mostrou as caras – uma vez que ficou patente a indefinição –, não pode haver acento indicativo de crase. Frase primorosa!


Outra situação embaraçosa: A coabitação por mais de cinco anos dá direito a pensão alimentícia. A bem dizer, temos aí uma pensão alimentícia genérica. Daí o acerto da frase.


Todo brasileiro tem direito a saúde, a educação e a segurança. Corretíssimo, desde que a intenção seja empregar esses substantivos em sentido geral. Nas ementas, por força de sua feição genérica, essa é a forma usada. Correto também seria, agora de forma especificada: Todo brasileiro tem direito à saúde, à educação e à segurança. Usual no corpo do acórdão. Quem manda é o contexto. Que isso não nos seja motivo de estresse! Bola pra frente!

Tentamos pegar o touro à unha. Afinal, não é de nosso feitio fugir do obstáculo. Nesta coluna, cuidamos especificamente dos casos em que se impõe um tiquinho de reflexão, situação em que o substantivo feminino se apresenta de forma genérica, sem nenhuma determinação. Dou- -lhes minha palavra: pensar não dá dor de cabeça.
 
Basta!                       

Prof. Germano Aleixo Filho,
Assessor da Presidência do TJMT.