Enquete
Fechar
Enquetes anteriores

Poder Judiciário de Mato Grosso

 
Notícias

25.09.2015 17:03

Dicas do Professor Germano - Desprover
Compartilhe
Tamanho do texto:
 Desprover versus improver

 

Houve quem comparasse o dicionário a um cartório de nascimentos onde dele nos abeiramos para saber da existência ou não de um vocábulo. De certa forma, poderíamos dizer que dicionarizar é o mesmo que eleger: ao dicionarista, a ele é que cabe eleger quais palavras julga indispensáveis.

 

Nesse intento, o ator principal é o uso. No confronto de duas variantes, ele é que grita qual devemos privilegiar. Portanto, quem determina que escolhamos uma forma, desprestigiando a outra, é o uso, batizado e crismado pelo tempo.

 

Não escondamos esta verdade: é impossível verbetar – inserir no rol do dicionário – todas as palavras de uma língua, armazenando nele suas variadas acepções e exemplos. Seria um deus nos acuda!

 

Não estranhemos o deus nos acuda. Nas expressões, os nomes próprios perdem seu status: viram nomes comuns. Quem não se delicia com um romeu e julieta? / Ele é um joão-ninguém: mora lá em deus me livre. / Luís F. Veríssimo é brincalhão: O calcanhar de aquiles do Aquiles é o calcanhar. / O dono de um restaurante anunciou: domingo, venham comer deliciosa Maria Isabel. Propaganda enganosa! O convite era outro: venham comer deliciosa maria-isabel.

 

Sempre tive comigo que o ingresso de um novo vocábulo no dicionário acaba por enriquecer o idioma. No andar dos dias, vamos despejando interrogações aos montes. Quantas não seriam compreendidas melhormente se mais palavras tivéssemos a nosso dispor!

 

O povo não dá a mínima bola ao verbo furtar. Dispensa-o sonoramente, contentando-se com roubar. Ao homem simples, pouco importa que o arsenal jurídico os tenha como diferentes. Em seu ver, roubo é o ato de um menino de rua que subtrai de uma loja um tênis de marca – sem que ninguém disso se aperceba. Mas também é a ação de trombadinhas que, no trânsito, abrem a porta de nosso carro e, à força, exigem que desçamos, levando-nos o veículo. Aqui se configura o roubo. No primeiro caso, contudo, houve mero furto.

 

Seja como seja, cuidado tenhamos em não furtar nenhuma letra do verbo roubar – já tão combalido em tempos de corrupção deslavada. Os verbos que, na penúltima sílaba, têm o ditongo ou – entre eles roubar, afrouxar, estourar, dourar e cavoucar – pedem socorro. Nada – pelo amor de Deus! – de “róba”, de “afróxa”, de “estóra”, de “dóra”, de “cavóca”.

 

É hora de pegar o barco do desprover versus improver. No frigir dos ovos, desprover é o ato de dar uma decisão desfavorável de mérito em um recurso. E improver? Traduz idêntico conteúdo semântico. Em meio aos significados do prefixo des-, no verbo desprover encarta o de negação, de privação. Sem tirar nem pôr, ambos – improver e desprover – acobertam o mesmo sentido.

 

No VOLP – veículo oficial para atestar quais palavras integram nosso idioma –, desprover vem a par de seus cognatos desprovido e desprovimento. Os dicionários comuns também o assinalam. Nos jurídicos, é registrado por De Plácido e Silva, Maria Helena Diniz, Pedro Nunes, entre outros.

 

No que respeita a improver, a história é bem outra. O Dicionário de verbos jurídicos, de Antônio Henriques e Maria M. de Andrade, ilumina: não encontra agasalho nos dicionários, embora presente em textos jurídicos. Verdade soberana: transita, a peito descoberto, pela jurisprudência. Vejamos: A Quarta Turma improveu o recurso de apelação. O recurso de apelação foi improvido pela Quarta Turma. Ora na ativa, ora na passiva.

 

O VOLP ignorou o verbo improver – hospedando tão só o adjetivo improvido, o que legitima de vez o uso de recurso improvido. Também não lista os verbos inacolher – ainda que empreste livre curso a desacolher – e impagar. No caso deste, admite os cognatos impagável e impagabilidade. Prestações impagas é de doer! Inocorrer, eis outro verbo que o Vocabulário Ortográfico não consigna.

 

Repitamos: de um lado, o VOLP abraça desprover; de outro, não dá respaldo a improver. Já improceder e desproceder percorrem caminho inverso: aquele – no sentido de não ter procedência, revelar-se injustificado – foi trazido ao seio do Vocabulário. Este – desproceder – continua alijado. Coisas do destino! Se bem assim, desproceder passeia às boas nos dicionários de Pedro Nunes e Maria H. Diniz, corrente em textos de cunho doutrinário e jurisprudencial.

 

Não faz muito, autores havia que impugnavam verbos que hoje encontram guarida no VOLP. É o caso de inadmitir – na acepção de não acolher, rejeitar. Sabbag, na 7. ed. de Redação forense, diz que se trata de erronia. Em igual senda, José Maria da Costa, no Manual de redação profissional, assegura ser errôneo o verbo imerecer. Um e outro autor derraparam. Hoje, inadmitir e imerecer são apadrinhados pelo VOLP.

 

Que conclusão devemos tirar disso tudo? Que as águas continuam correndo rio abaixo. Verbos que, ontem, eram objeto de acirrada contestação, hoje desfilam, engravatados, pelos dicionários comuns e forenses.

 

O fato de o VOLP não ter, ainda, agasalhado o pobre do improver, trancadas as portas até mesmo para o substantivo improvimento, deve ser convite a que ponhamos as barbas de molho. No sentido que lhe conferimos – dar uma decisão desfavorável em um recurso –, o melhor que fazer é usá-lo com parcimônia. Em concursos públicos, no turbilhão daquelas pegadinhas marotas, devemos esquecê-lo definitivamente.

 

Saída – para quem quiser se pôr a salvo – é recorrer a outros modos de dizer, todos apropriados: O Tribunal de Justiça desproveu a apelação. / A comissão negou provimento aos embargos de vários candidatos. / O examinador não deu provimento a meu recurso. / Ante o exposto, inadmito o agravo.

 

Desfecho forçoso do que vimos é que o verbo improver, em textos afetos à área jurídica, deve ser empregado cum grano salis – à letra, com uma pitadinha de sal. Portanto, nada de excesso. Se optarmos por seu uso, que o façamos com discrição.

 

A verdade é que improver em nada destoa de desprover. Quem se candidata a negar que, num futuro não muito distante, o verbo improver venha a ser incluído, todo cheio de poses, em nossos dicionários, como ocorreu com inadmitir e com imerecer? Alguém duvida? Com a palavra, o uso. Será o fiel da balança.

 

Cuiabá, MT, 24-9-2015.
Prof. Germano Aleixo Filho,
Assessor da Presidência do TJMT.