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02.10.2015 14:21

Dicas do Professor Germano - Respeito é bom e eu gosto
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 Respeito é bom, e eu gosto!

 

Desde cedo aprendemos em casa noções de respeito. Ao sermos deixados na porta da escola, esta recomendação sempre nos acompanhava: Respeite seus professores! Conselho que se espraiou por todas as direções: É prova de cidadania o respeito às leis. / Esta Instituição prima pelo respeito a seus servidores. / Se quer ser respeitado, dê-se ao respeito.

 

Em razão da convivência social, somos muito severos no exigir o cumprimento de algumas convenções. Assim, não aceitamos que, durante as refeições, nosso filho meta os pés sobre a mesa. Cruzes! Também não é de bom-tom limpemos as mãos e a boca na toalha. Longe disso! Falar de boca cheia, nem pensar...

 

No entanto, em relação a outras coisas, somos condescendentes até demais. Permite-se tudo. É o que se dá com a linguagem. Doris Lessing, ganhadora do Nobel de Literatura de 2007, afirmou com autoridade: Quando se corrompe a linguagem, logo se corrompe o pensamento.

 

Nesta coluna, centremos o foco no aviso que, aqui e ali, vem afixado na porta de nossos elevadores. A lei a esse propósito nasceu do Legislativo estadual de São Paulo, que não apenas a “engoliu” mas a promulgou com uma chuva de irregularidades. No ano seguinte, a Lei n. 12.722/98 da Câmara Municipal de São Paulo acaba por aboná-la. “Palhaçadas” pela metade, para quê?

 

Assim dispõe seu artigo 1º: Ficam os proprietários de edifícios que possuírem elevadores obrigados a afixar, em local visível junto à porta dos mesmos, o seguinte aviso: “Aviso aos passageiros: Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar”.

 

Cá entre nós: um texto sem qualidade, a desmerecer o Estado que o engendrou. Na cabeça do artigo, a má disposição dos termos pode nos conduzir a associações indevidas. Fez-se alusão aos proprietários de edifícios? Falou-se em elevadores obrigados? Meu Deus, o que é isso?

 

Produziram algo que levanta barreiras à compreensão comum. Propomos nova redação: Fica a Administração do Condomínio obrigada a afixar, na porta dos elevadores, este aviso. Nada mais que isso. Mil vezes mais claro. Afinal, não é a clareza que comanda o bom texto? O usuário agradece.

 

Observemos que a Câmara Municipal nos brinda com o insosso mesmo, que vai reaparecer, triunfante, no próprio aviso. A palavra mesmo – isto é básico – não pode substituir ele, ela, eles, elas. Imagine só a feiura: O réu foi ouvido e o mesmo confessou o roubo. Basta, nesta frase, trocá-lo por ele. Bem melhor, no entanto, seria dispensá-lo: O réu foi ouvido e confessou o crime.

 

Voltemos ao texto da lei em análise. É de todo desnecessária a expressão “aviso aos passageiros”. Melhor expediente seria apagar este infeliz vocativo. À luz dos dicionários, o termo passageiro se mostra aí fora de propósito: aquele que viaja em qualquer veículo de transporte. Por isso temos passageiro do metrô, do avião, do ônibus. Em suma, passageiro é o que paga a passagem, entendida como o bilhete que autoriza uma viagem.

 

Em vez do correto passageiros, no metrô paulistano já ouvi a grita dos metroviários: Senhores “usuários”! Metrô é trem, e os trens transportam passageiros. No fundo, vai ao encontro da tendência, quando não de complicar, de enfeitar, de falar bonito. Esquecem-se de que a beleza se encarna precisamente na simplicidade. Pão é pão, queijo é queijo. Mais: passageiro é passageiro. Também os legisladores dão cotoveladas na língua portuguesa! E como!

 

No caso em exame, o monstrengo se multiplicou como erva daninha. Cordeiros que são, assembleias e câmaras deste Brasil passaram a reproduzi-lo tal e qual. Tudo que é torto, logo tem seus seguidores. Aos descalabros entalados nesta Lei, não nos devemos curvar.

 

Recuperemos o aviso: “Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar”. Vejamos só: a recomendação tinha sido dirigida aos passageiros, no plural. Embora assim, o aviso se reporta, indevidamente, ao singular: antes de entrar, em vez de entrarem; verifique, por verifiquem. Falha sobre falhas... Onde mora a coerência? Ou tudo no plural, ou tudo no singular. Mas o Legislativo “quis” de outra forma...

 

Olho-vivo! A ordem é desconfiar sempre, afinal o texto vem coalhado de preciosidades. Repete-se o deselegante mesmo. Só nos resta chutá-lo para escanteio, oferecendo uma redação mais à altura dos usuários do elevador. Merecem respeito. Ademais, a palavra mesmo é o pior recurso do qual podemos nos socorrer para substituir um termo já anunciado. Também o mais empobrecido, às vezes carregado de ambiguidade. Um pouco mais limpo, teríamos: verifique se ele se encontra... Demos um passo de cada vez.

 

Esbarramos com novo problema na colocação indevida do pronome: encontra-se. A conjunção integrante se – que vem logo após verifique – é dona de força bastante para que o pronome se venha antes do verbo encontrar. Chamamos a isso próclise. Nesse rumo, teríamos: verifique se o elevador se encontra parado neste andar. Aqui, a próclise é de rigor.

 

Um olhar mais acurado nos evidencia outro incômodo no seio do artigo em apreciação: refiro-me ao pouco condizente verbo encontrar-se. No geral, ele corre à maravilha nestas frases: Ele se encontra abatido. / A parte-ré se encontra atrasada para a audiência. Nesses dois exemplos o verbo vem amarrado a um sujeito-agente. Diz-se que o verbo encontrar, aí, é transobjetivo: além do objeto, passa a exigir um predicativo, uma qualidade deste mesmo objeto. À semelhança disto: Ele se considera justo. Eu me julgo inteligente.

 

Nesta Lei, o uso do verbo encontrar-se não retrata bem essa ideia. Pelo contrário, transpira estranheza. Parece conveniente que não o empreguemos em demasia, dado que, por vezes, possibilita construções absurdas: ele se encontra ausente. Convenhamos: cheira a contradição. Igualmente esta: ele se encontra sumido. Fica-nos a impressão de que a associação destes termos é, por si só, conflitante.

 

À vista disso, rendamo-nos ao que é mais simples: abre um texto de maior qualidade. Em vez do verbo encontrar, usemos estar. É verbo de ligação; parado, no caso, é seu predicativo. Portanto, o elevador está parado é, de longe, melhor que a redação proposta pelo Legislativo: o elevador se encontra parado.

 

Como fecho, suponhamos estar diante do elevador, na iminência de nele entrar. Em bom português, passado a limpo, o aviso ficaria assim: Antes de entrar, verifique se o elevador está parado neste andar. Bem mais simples. Bem mais claro. Por que complicar, se podemos simplificar?

Um escritor gaúcho, humorista de mão-cheia, atribuiu a si próprio – para ridicularizar os que se diziam nobres – o pseudônimo de Barão de Itararé. Isso em 1930! Em tom brincalhão, dizia: O português é uma língua muito difícil. Tanto que calça é uma coisa que a gente bota, e bota é uma coisa que a gente calça.

Basta!

Cuiabá, MT, 1º-10-2015.
Prof. Germano Aleixo Filho,
Assessor da Presidência do TJMT.