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Poder Judiciário de Mato Grosso

 
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13.11.2015 16:45

Dicas do Professor Germano - Presidente
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 A presidente ou a presidenta: como fica?
 

Causa-nos espanto ouvir de certas pessoas – donas de inabalável certeza – a afirmação barata de que presidenta não existe e que, bem por isso, deve de bate-pronto ser rechaçada. Sobra-nos convicção de que jamais abriram um dicionário ou uma gramática para se certificar da verdade verdadeira.

Perguntemo-nos: como afirmar que algo não “existe” se tão alastrado está na boca da multidão dos homens? Podemos, apelando para nossa predileção, espinafrar a palavra presidenta, bandeando-nos de mala e cuia para sua concorrente: a presidente. Mas que existe, existe! Um conselho: não nos acanhemos de consultar um dicionário. Todos os mestres o fazem!

No curso dos séculos, quando duas palavras se equivalem em sentido, vão elas disputando seu espaço até que uma, triunfante, acabe por desfraldar a bandeira da vitória. No atual momento, tanto a presidente quanto a presidenta receberam, na universidade da vida, foros de cidadania. Vêm travando uma batalha silenciosa, sabedoras de que o galardão independe de leis ou de decretos.

Alinhavemos o que dizem os dicionários. Capitaneados pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – VOLP, asseguram, de um lado, que presidente é s. 2g., abreviatura que significa substantivo de dois gêneros. Mais apropriado é dizer que serve para os dois gêneros, masculino e feminino: o/a presidente. Não ficam nisso. Abrem também o verbete presidenta, seguido da abreviatura s. f., substantivo feminino. Então, presidenta existe.

Daí podemos tirar uma primeira e significativa conclusão: a Academia Brasileira de Letras, para o feminino, tem como acertadas duas formas: a presidente e a presidenta. Bastaria isso, só isso, para que acolhêssemos a açoitada “presidenta”. Um adendo: esse entendimento – sem tirar nem pôr – é apadrinhado pelos dicionaristas Houaiss, Aurélio e Cegalla.

Sacconi, em seu dicionário, registra presidente apenas como substantivo masculino, não mais comum de dois, como se dá com os demais. Acentua que seu feminino é presidenta, com esta observação: pode ser usado, no entanto, a presidente. Acaba batendo na mesma tecla.

A consulta a esses dicionários nos conduz a nova conclusão: inscrevem vice-presidente como s. 2g. Portanto, esta forma vale para o masculino, mas vale de igual modo para o feminino. O que transpira estranheza é notar que nenhum dos dicionaristas consigna a variante vice-presidenta. Por quê? Será que todos eles, aí incluído o VOLP, a consideram pouco polida e desagradável ao ouvido, para não dizer feia? Mais feia que bater em mãe.

E Portugal, como procede no caso do verbete presidente? Lá, a Academia das Ciências de Lisboa, que se iguala à nossa ABL, desfila o termo na condição de substantivo masculino e feminino. Em acréscimo, vejam só, traz presidenta como forma popular e familiar.  Dito doutro modo: para os portugueses, presidenta não transita pelos textos formais.

Isto não podemos esconder: a palavra presidente, aqui e além-mar, é recebida com honrarias de chefe de Estado, exibindo mais pompas e circunstâncias que sua rival presidenta. Temos, às pencas, nomes que seguem pelo mesmo caminho: o/a contribuinte, o/a estudante, o/a gerente, o/a regente, o/a servente.

Contudo, se não imperar um mínimo de bom-senso, é possível encontremos, por este Brasil afora, quem se aventure a delirar. Beira o ridículo: a “contribuinta” e a “estudanta” falaram com a “gerenta”. Que “arroganta”! Valha-nos, Deus!

O prof. Kaspary – que passeia com autoridade pela linguagem jurídica – não titubeia em afirmar que considera a forma presidenta, conquanto não seja errada, um tanto áspera, malsoante, desarmoniosa, indelicada, despoluída. Meu amigo pegou pesado!


Mais adiante, em sua deliciosa obra Habeas Verba, arremata: prefiro e sugiro o emprego da forma agenérica, não marcada presidente, máxime no tratamento formal – próprio da linguagem dos órgãos públicos –, seja para os homens, seja para as mulheres, no exercício do cargo ou das funções atinentes à presidência, em qualquer nível hierárquico.

Independentemente do posicionamento firme do Kaspary, é de vincar que, na urna onde se recolhem os votos da eleição dessas duas formas, a decisão do escrutínio é matéria exclusiva dos falantes. A eles é que cabe regular o uso da língua.

O que a camada escolarizada não engole de jeito nenhum é o autoritarismo embutido nas ações de certos políticos. Supõem eles que suas garras, potentes e devastadoras a um só tempo, possam se infiltrar em searas cujo domínio não lhes pertence. A língua – fique isto claro –, quem a faz é o povo.

Segundo a profa. Alice M. T. de Saboia, doutora pela USP, em artigo inédito – Nem as variações linguísticas escapam do desvario politiqueiro –, não se cria língua por decreto nem por lei, visto que ela nasce da interação comunicativa na coletividade. À cena, traz o pensar do linguista russo Jakobson: uma língua nada tem de individual, e não é propriedade privada de quem quer que seja.

A despeito da resistência que normalmente emprestamos ao termo presidenta – devido, talvez, ao fato de que nos quiseram impingi-lo goela abaixo – dia chegará em que, mais complacentes, acabaremos por acolhê-lo sem desdouro algum.

Um bom vinho não exclui necessariamente outro. Podem conviver numa boa, a depender de quem o degusta. Se, por um lado, deito predileção ao tinto, à minha mulher apetece o frisante. Não são vinho da mesma pipa: há apreciadores para os dois...

O mesmo pode se dar com o plebiscito que os falantes vêm promovendo entre presidente e presidenta. Ainda é cedo para assegurar quem vai cantar de galo. Em não havendo vencedor, o juiz – vale dizer, o povo – confirmará o empate técnico entre as duas formas. Quem sabe não seja esse o resultado das urnas! Alguém ousa cantar a bola?

 

Resumo da ópera: torcendo ou não o nariz, o feminino de presidente pode ser presidenta. Não bastasse o prestígio da Academia, é avalizado pelos bons dicionários. A merecer, porém, esta ressalva: tanto no Brasil quanto em Portugal, a forma preferencial é a presidente. Você duvida?

 

Não poderia passar batido o procedimento da ministra Ellen Gracie Nortfleet na qualidade de presidente. Em tempo algum, em sua correspondência particular ou institucional, deixou de se identificar como presidente do Supremo Tribunal Federal. Bradou no deserto? O tempo dirá.

 

Basta!

 
 
 
Cuiabá, MT, 13-11-2015.
 
Prof. Germano Aleixo Filho,
Assessor da Presidência do TJMT.