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18.02.2016 17:02

Dicas do Professor Germano - Aedes Aegypti
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 Aedes aegypti e bom-senso

O mosquitinho – pequeno mas feroz – voa cada dia mais livre pelo campo e pela cidade, contra ventos e marés. Debelá-lo, se não impossível, é muito difícil. Até mesmo em matéria de linguagem, o vetor da dengue, da chikungunya e da zika causa estragos.


Vamos por partes. Os nomes científicos, seja na Biologia seja na Botânica, encerram dois termos. O primeiro deles – um substantivo – indica o gênero, ao passo que o segundo – um adjetivo – diz da espécie a que pertence.

Se o nome do gênero se escreve com inicial maiúscula, o da espécie é grafado com minúscula: Aedes aegypti. Seja exemplo também nosso delicioso poncã. Seu nome científico: Citrus nobilis. Não estranhemos: o gênero masculino dessa fruta contraria o uso corrente, mas é figura carimbada no VOLP, acolhido de forma unânime pelos dicionaristas. Conhecido por seu canto, o lindo bem-te-vi parece expressar bem te vi. Os cientistas o denominam Pitangus sulphuratus.

Mais do que a grafia do Aedes aegypti, o que incomoda mesmo é sua pronúncia, numa feição desencontrada e desajeitada. Fique acertado isto: correto e tão só édis egípti. Na imprensa falada – notadamente em meio aos repórteres de jornais de TV –, falta no mínimo uma pitada de coerência, dado que as duas palavras se iniciam com o mesmo ditongo ae. Aliás, bom é se diga, tanto o ditongo latino ae quanto oe soam algo aproximado de é.

Há um aforismo jurídico que circula por aí: nulla poena sine lege. Significa: não há pena sem lei. Atenção: poena se lê pena mesmo. De igual parte, é frequente ouvirmos no fórum: vexata quaestio. Pronúncia correta: vekçata cuéstio. Trata-se de questão bastante controvertida. Vale por tema polêmico. O verbo vexare, em latim, significa inquietar. Daí o sentido de questão inquietante, tormentosa. 

De hoje por diante não titubeemos: certo é pronunciar édis egípti. Não há outra forma de fazê-lo. Costuma-se dizer: fartura de erros corresponde a “faltura” de escola. A verdade, no entanto, é que a língua latina já se distanciou de nossos dias. Esse, mais que outro qualquer, o motivo da indecisão quanto à pronúncia.

Demos novo passo. Cabe ao VOLP listar as palavras de nosso léxico,    apontando-lhe a grafia oficial. Isso sem se intrometer no significado dos vocábulos, papel conferido aos dicionários, que nos municiam com as acepções várias que agasalham. Em tese, ao VOLP deveríamos prestar obediência, afinal tem ele força de lei. Mas...

Atendendo a solicitações, ponhamos atenção no termo bom-senso, em razão da grande dúvida que flutua a tal respeito. À luz do próprio VOLP, escreve-se com hífen porque, no entendimento dele, se cuida de substantivo composto. No entanto, não é o que fazem nossos dicionaristas, em sua maciça maioria. Apagam o hífen, por julgarem seja indevido.

Bem por isso, nossos dicionários, em geral, não trazem bom-  -senso na listagem de seus vocábulos. Bastaria esse fato para corroborar que não se trata de substantivo composto: corresponde a mera associação de um adjetivo (bom) com seu substantivo (senso).

Os dicionários abrigam criado-mudo, no sentido de móvel pequeno que se usa ao lado da cama. Não devem, contudo, acolher criado mudo, sem hífen. Neste caso, são duas palavras independentes, retratando um serviçal, um empregado doméstico que não fala, que perdeu a capacidade de falar.

Quanto ao grosso dos dicionaristas, recorrem a bom senso em situações específicas, no interior de outros verbetes. Assim, em minguar, Cegalla, em seu Dicionário de dificuldades, encarta este conselho: Onde míngua o bom senso medram os desacertos.

Com o Dicionário Houaiss, ocorre algo um tanto curioso. Centremos nossos olhos no verbete consenso. Na edição anterior vamos encontrar o termo assim grafado: bom-senso. Na atual, joga o hífen para escanteio e desacolhe o que a Academia prescreve. Agora documenta bom senso. Por que mudou? Alguma razão houve? Como se vê, procedimento sedimentado, sem desfilar dúvidas.

Aurélio, de sua vez, no vocábulo senso, recorre à grafia sem o hífen: bom senso. Tenho registrado, no compulsar este dicionário, mais de vinte ocorrências de bom senso, sem topar com nenhum bom-senso. Entendimento batizado e crismado.

Mais exemplos? Douglas Tufano, em Português fácil, quando se ocupa do hífen, p. 57, relaciona bom senso ao lado de bom humor, senso comum, boa vontade. Maria Teresa Piacentini, na coluna 135 de Não Tropece na língua, assim a conclui: Como sempre, deve prevalecer o bom senso. Registre-se que, pela mesma esteira, caminham Dad Squarisi e Cláudio Moreno.

Assinalar é preciso que, no Grande dicionário Sacconi, o autor inscreve o vocábulo bom-senso. Morre abraçado nele. O mesmo proceder adota o prof. Adalberto Kaspary, p. 72 de Nova ortografia integrada.

Diante desse quadro, é de todo necessário consultar o Dicionário escolar de língua portuguesa – DELP, obra de inteira responsabilidade da Academia Brasileira de Letras. Este é que é o x da questão. Embora, no VOLP, bom-senso navegue placidamente, estranho é que, manuseando o DELP, já topamos com quinze ocorrências de bom senso.  

Em contrapartida, por duas vezes apenas – nos verbetes resolver e contrassenso – esbarramos no vocábulo hifenizado. Em senso, vemos: O uso do bom senso ajuda as nossas escolhas. Em judicioso, este esclarecimento: Que revela bom senso.

Criado está o impasse: de um lado, o VOLP determina usemos bom-senso. De sua vez, o DELP, dicionário igualmente elaborado pela Academia, passa a privilegiar, descaradamente, a grafia bom senso.  É de doer! Que trilha devemos percorrer?!

Fiquemos convencidos, cada dia mais, de que a Academia Brasileira de Letras, constituída de homens, não está imune a equívocos. Certamente, num futuro próximo, haverá ela de pedir desculpas pela enrascada em que nos meteu.

Conclusão: seja escrevendo bom-senso, seja redigindo bom senso, de uma ou de outra forma estaremos sempre em boa companhia. E bola pra frente.


Como calar esta pergunta: na linguagem jurídica, qual o caminho? O melhor que fazer é grafarmos bom-senso, em consonância com o VOLP. Apenas um critério... As formas preferenciais deveriam ser aquelas que obedecem aos cânones da língua. 


Basta!

  

Cuiabá, MT, 18-2-2016.

Prof. Germano Aleixo Filho,

Assessor da Presidência do TJMT.