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Poder Judiciário de Mato Grosso

 
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10.03.2016 17:34

Dicas do Professor Germano: Salário Mínimo
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 Salário-Mínimo ou Salário Mínimo?

 

A aplicação do Acordo Ortográfico continua disseminando uma que outra dúvida. Notadamente no que se relaciona ao emprego do hífen, seu ponto mais controvertido. Esse o caso da grafia de salário-mínimo ou salário mínimo, indecisão que nos persegue.

 

Um parêntese necessário. O VOLP nos brinda apenas com salário-mínimo, assim escrito, com hífen. É porque, no caso, traduz um vocábulo, encerra uma unidade semântica. É como se disséssemos: esquece-se o sentido de cada um de seus termos, isoladamente considerados, para criar outro conjunto de sentido.

 

Mais é preciso assinalar: em situações semelhantes, o termo hifenizado encerra o sentido figurado. A construção sem hífen nos fornece o sentido próprio, comum.

 

Antes de pegarmos o touro pelos chifres, ponhamos sob os olhos casos semelhantes. Relembremos: a presença do hífen põe às claras o sentido figurado. Assim, ter barriga verde (pintada de verde) nada tem a ver com ser um autêntico barriga-verde (catarinense). Meu irmão é um pão-duro (avarento) sem igual, mas detesta pão duro. Os integrantes da mesa-redonda (reunião para debater um tema) compraram uma mesa redonda (circular).

 

No mercado jurídico, lançamos mão de aviso-prévio, comunicação da rescisão de um contrato de trabalho. O hífen confere ao termo um sentido novo, diverso deste: a blitz é uma batida policial sem aviso prévio. Neste caso, algo feito de improviso, sem pré-aviso.

 

Repisemos. Os termos que carregam o hífen, a exemplo de salário-mínimo, vêm fixados nos dicionários porque correspondem a um vocábulo, isto é, a um substantivo composto. Significa dizer que têm entrada própria.

 

No entanto, se excluirmos o hífen de um composto – no rumo de salário mínimo –, ele já não expressa um mero substantivo. Deixa de ser verbete, passando à condição de subverbete.

 

Conclusão: deparamos com salário mínimo, sem hífen, como parte do verbete salário, uma vez que agora comporta duas palavras independentes: o substantivo salário ao lado do adjetivo mínimo, palavra esta que traduz seu sentido comum, de mínimo mesmo. Vale dizer: quantia que deveria ser suficiente para atender as necessidades vitais do trabalhador e de sua família. Deveria...

 

Vamos em frente. Peçamos ajuda aos dicionaristas. Salário-mínimo é registrado nos dicionários com significado que foge ao uso comum. Daí por que não recorrermos a este termo na batalha do dia a dia.

 

Apadrinhemo-nos com Houaiss: salário-mínimo é o trabalhador cuja remuneração é o salário mínimo. Cá entre nós: não poderia haver definição mais clara. A um só tempo, ilumina o que nos incomoda: salário-mínimo é o trabalhador; salário mínimo (sem hífen) é a própria remuneração.

 

Dono de estilo galhofeiro, Sacconi, em Não erre mais, pontifica: Salário mínimo é aquela miséria que alguns trabalhadores recebem todos os meses; já        salário-mínimo é o próprio trabalhador que recebe a miséria, a merreca. Nesse andar, assinala ser perfeitamente possível uma construção absurda assim: Nunca fui salário-mínimo, por isso nunca recebi salário mínimo.

 

A corroborar, Houaiss, no verbete passar, subverbete 32, não vacila quanto ao emprego correto: Há quem passe com menos que o salário mínimo. Quer isso dizer que, no caso, ele se reporta à remuneração. Não ao trabalhador.

 

O dicionarista Aurélio nos municia com uma definição de salário-mínimo que, em seu miolo, nada destoa daquela proposta por Houaiss. Fiquemos, no entanto, com duas ocorrências, colhidas ao acaso: Paga à empregada dois salários mínimos por mês. (verbete pagar)/ Fulano tem uma renda mensal de cinco salários mínimos. (verbete renda)

 

Tão inexpressivo é o salário que recebe nosso trabalhador que o prof. Sérgio Nogueira, em O português do dia a dia, destampa sua indignação: Não sei como o brasileiro sobrevive com um salário mínimo. (p. 73)

 

Batemos à porta dos dicionários e confirmamos a diferença: se salário mínimo é a remuneração, salário-mínimo é o trabalhador que faz jus ao salário mínimo. Ainda assim, de certa forma insatisfeitos, decidimos compulsar o Dicionário da Academia, conhecido como DELP.

 

Nem vou contar-lhes o que mais me estatelou: na definição de salário-mínimo, precisamente onde não deveria vacilar, a Academia incide em tolice das gordas. É de pasmar! Pontua que salário-mínimo é o menor salário permitido por lei pago a um trabalhador. Não. Nada disso. Os acadêmicos trocaram as bolas. Confundiram alhos com bugalhos. Um desastre!

 

A despeito da mancada, foram eles salvos pelo gongo. Folheando ao acaso o DELP – Dicionário Escolar da Língua Portuguesa –, por sete vezes esbarrei em salário mínimo, empregado com inteira precisão. Em todas, sem exceção, agasalha o sentido de remuneração, destoando do que havia proposto erradamente na definição de salário-mínimo.

 

Demo-nos à tarefa de comprovar. No próprio DELP ocorre: Governo e representantes da sociedade debateram o valor do salário mínimo. (verbete debater)/ Recebeu de indenização o equivalente a um salário mínimo. (verbete equivalente)/ O governo decidiu indexar o salário mínimo à inflação. (verbete indexar)

 

Topamos com o mesmo emprego acertado de salário mínimo nos verbetes martelar, mínimo, multar e reajustar. Pelo visto, na prática os acadêmicos souberam manejá-lo com correção. Menos mal.

 

Em Inculta e bela 3, p. 45, o prof. Pasquale, como que a nosso pedido, tal foi a pertinência de seu esclarecimento, pontifica:

 

Se se tem dúvida sobre o emprego do hífen em “salário mínimo”, por exemplo, a ida ao Vocabulário pode ser desastrosa. Por quê? Porque lá se encontra “salário-mínimo s.m.”, o que significa que salário-mínimo é substantivo masculino, e só.

 

Em seguida, complementa seu magistério: É o dicionário que explica o que é “salário-mínimo”: S.m. 1. Trabalhador que ganha salário mínimo. 2. P. ext. Trabalhador baixamente remunerado. E arremata: Conclui-se que boa parcela da população brasileira é formada de salários-mínimos, trabalhadores que recebem o ultradigno salário mínimo.

 

Relevado o deslize da Academia, de uma vez por todas saibamos que, no corre-corre, apenas uma forma merece nosso prestígio: salário mínimo. Bem isto: manter-se com salário mínimo é quase um milagre.

 

Definitivamente, apaguemos de nossos textos – em especial dos jurídicos – o substantivo composto salário-mínimo. Tão rara a possibilidade de recorrermos a ele, que melhor será lançá-lo janela fora. Babau! Mande-o plantar batata em pleno asfalto. Salário-mínimo, hifenizado, nunca mais!

 

Basta.

 

Cuiabá, MT, 10-3-2016.
Prof. Germano Aleixo Filho,
Assessor da Presidência do TJMT.