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Poder Judiciário de Mato Grosso

 
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15.04.2016 09:59

Dicas do Professor Germano - Vista
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 Pedido de vista ou pedido de vistas

 

Estou ciente de que, ao trabalhar com o tema de hoje, não estou bulindo em casa de marimbondo. Por se tratar de assunto um tanto ou quanto tranquilo, constitui problemas sobretudo aos desavisados, quando não aos desatentos. Não é vespeiro a nos pregar ciladas...

 

Tenho igualmente convicção de que, se passarmos a cotejar estruturas que se assemelham, pouco e pouco nossas orelhas haverão de se inclinar para a forma mais adequada ao caso.

 

Em português, certos termos existem que, embora no singular, se revestem de força coletiva. Vale dizer: expressam um sentido generalizante, abrangente. Bem por isso, usá-los no plural parece enfeiar o texto, capazes que são de desvigorá-lo.

 

Nesse rumo corre a palavra material: abarca um sentido global. Basta que digamos ou escrevamos: casa de material de construção. Contentemo-nos com o singular. Bonito que só!

 

O que significa compilar? Em síntese, é reunir material de várias fontes. Isso está a retratar que não é nada apropriado afirmar que os estudantes compilaram materiais para suas aulas práticas.

 

Ninguém desconhece que material escolar compreende tudo que o aluno precisa para seu estudo: lápis, canetas, cadernos, borrachas, etc. Material, por si só, exprime pluralidade.

 

Muitas outras palavras andam de mãos dadas com material, isto é, carregam igual força coletiva. Na língua, há uma tendência a que os termos abstratos desprestigiem o plural.

 

Alguns dias faz, numa formatura, o mestre de cerimônias, sem mais nem menos, saiu-se com esta: Agradecemos as presenças de todos. Perguntemo-nos: por que este insosso plural? Será que o singular não se revelaria de longe melhor? Alguém duvida? Fiquemos com o correto: Agradecemos a presença de todos.

 

Tenho comigo que o singular guarda o mérito, ainda, de elegantizar a frase. Não estranhemos o verbo: o Vocabulário Ortográfico – VOLP – abraça este neologismo com ternura. Aliás, escrever com elegância é a arte de escolher bem as palavras. Etimologicamente falando, elegância se irmana com o verbo latino legere – cujo significado primeiro é ler. Ler é escolher, isto é, saber acolher as melhores palavras.

 

Nessa esteira, por que razão dizermos que essas pessoas têm vidas exemplares se o singular – vida exemplar – se faz bastante? O que ocorre, no geral, é que a mídia encharca nossa cabeça com esse tipo de plural – disparando um tiroteio de inconveniências contra “todos e todas”. Pelo amor de meus filhinhos!! “Todos e todas”, nem a pedido do papa.

 

Não nos deixemos levar pelo vento de leviandades. Que razão existe, na conclusão de uma tese ou dissertação, para o emprego de “bibliografias”, se o singular já acoberta o sentido do todo? Bibliografia, assim grafada, condiz com a parte conclusiva de uma tese. Nela listamos as obras consultadas, merecedoras, quando necessário, de leitura complementar.

 

Deixemos de lado os preâmbulos. Na área jurídica, acertado é dizer – não há outra forma de fazê-lo – pedido de vista. Portanto, devemos brindar nossos textos com estas expressões: abrir vista, dar vista, mandar com vista, pedir vista. Ter vista, no Direito Processual, é o ato de receber o processo para nele falar.

 

Maria Helena Diniz, em seu Vocabulário Jurídico, encarece que vista dos autos, à luz do Direito Processual, é o ato pelo qual o advogado recebe os autos processuais para deles tomar conhecimento ou para pronunciamento. A expressão se harmoniza com o sentido de consulta simples que se faz aos autos, no próprio cartório onde corre o feito, dada a impossibilidade de retirá-los. Daí por que recebe o nome de vista em cartório.

 

Observemos como procedem nossos legisladores, lembrados de que os textos de lei nunca vêm enxovalhados com o indevido plural. Portanto, o emprego de pedido de vistas macula o mérito e o nome de um advogado. Mais precisamos dizer: advogados que se prezem não têm o direito de empregar pedido de vistas em vez do correto pedido de vista.

 

Para corroborá-lo, alguns excertos – pronunciemos “essértos” – do Código de Processo Civil, modelo de correção quanto a este tópico: a) O advogado tem direito de requerer, como procurador, vista dos autos [...] (art. 40, II); b) Intervindo como fiscal da lei, o Ministério Público terá vista dos autos depois das partes, [...] (art. 83, I); c) Concluída a instrução, será aberta vista, sucessivamente, ao autor e ao réu, [...] (art. 493).

 

No que toca ao plural vistas, é bom português quando no sentido de intenção, mira, planos. Portanto, é adequado dizer: vamos analisar o parecer com largueza de vistas. Mais este exemplo, que não passeia pelo mundo de hoje: Aquele que sobre ti lançar vistas de amor ou de cobiça, comigo se avirá... De notar o verbo avir-se, sinônimo de entender-se, arranjar-se: com minha família me avenho eu.

 

Um adendo indisponível. Qual locução – com vista a ou com vistas a – deverá merecer agasalho? No Habeas Verba, o prof. Kaspary nos abre o caminho: Nas acepções de com o fito (intuito, objetivo, propósito) de, com a finalidade de..., é preferível a expressão com vista a (com a palavra vista no singular), posto que (= embora) a forma com vistas a não seja errônea.

 

Lancemos mão, portanto, do singular: O acordo foi estabelecido com vista à realização de um objetivo comum. Foram abertas inscrições com vista à eleição do Tribunal de Justiça. Estas medidas, com vista à celeridade das decisões, pretendem desafogar a carga de trabalho dos juízes.

 

De agora por diante, expurguemos de nossas peças jurídicas o descabido pedido de vistas. Sabemos que os desavisados continuarão caindo como patinhos que nadam na lagoa. Quando a nós, não o usemos nem sob tortura.

 

Fiquemos com pedido de vista. Será sempre pra lá de bem-vindo. Afinal, pedir vista é pedir para ver os autos, pedir para examiná-los. Significa passar a vista nos autos antes de nos pronunciarmos a respeito deles. Só esta grafia merece nota mil.

 

Basta!

 

Cuiabá, MT, 15-4-2016.
Prof. Germano Aleixo Filho,
Assessor da Presidência do TJMT.