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Poder Judiciário de Mato Grosso

 
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17.06.2016 18:42

Dicas do Professor Germano - Sob x Sobre
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 Qual o certo: sob ou sobre o fundamento?

 

Não queiramos ser mais realistas do que o rei. Isso é próprio dos que se julgam “entendidos”. Fazem questão de buscar o diferente. E erram! Usam o indevido “sob o fundamento”, que a suas orelhas lhes parece mais chique, mais estiloso. Correta, à luz da lógica, é esta expressão: sobre o fundamento.

 

Diz um ditado popular: dois bicudos não se beijam. A palavra fundamento detesta a preposição sob. Por que haverá de ser? Ambas trazem na bagagem a significação de posição inferior, embaixo de. É bem isto: duro com duro não faz bom muro.

 

Outro dia, dizia-me um amigo: Os funcionários da Prefeitura ainda continuam em greve. Uma associação destrambelhada: continuar ainda é algo a ser desprezado, uma vez que, no verbo continuar, já está embutida a ideia de ainda.

 

Continuar significa prosseguir sem interrupção, levar adiante. Os termos, portanto, não se bicam. Redundância pura. Tão inadequado como assessor direto do Presidente do Tribunal. Existe por acaso o assessor indireto?

 

Sempre tive comigo que as palavras se assemelham às pessoas. Há daquelas que se amam à maravilha. Outras se odeiam. Pior seria o estado de indiferença. O texto bíblico está aí para nos confirmar: Porque você é morno, nem frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo da minha boca. (Apocalipse 3:16)

 

Passemos a enfrentar o touro, pedindo ajuda a quem sabe das coisas. Vitório Bergo, em seu Erros e dúvidas de linguagem, encarece: Fundamento ou fundação é o alicerce sobre o qual se estabelece a construção, em sentido próprio ou figurado. Não se explica assim a expressão “sob o fundamento”.

 

Os aplicadores do Direito usam essa expressão em suas peças. Em tempo: preferimos a locução aplicadores do Direito, por mais apropriada. Um adendo: nossos irmãos portugueses a abonam, desprestigiando a menos elegante “operadores do Direito”.

 

Olhos atentos ao art. 2.167º do CC de Portugal: A acção de impugnação da deserdação, com fundamento na inexistência da causa invocada, caduca ao fim de dois anos a contar da abertura do testamento. Preferiu-se uma forma alternativa – com fundamento em –, que apaga qualquer possibilidade de deslize.

 

Pincemos algumas possibilidades de uso que, a contento, substituem a nebulosa “sob o fundamento de”. Kaspary, no Habeas verba, p. 238, propõe: O Promotor de Justiça apela com fundamento na al. d do inc. III do art. 593 do CPP. / A contratação fez-se com base na al. b do inc. II do art. 10 da Lei n. 8.666.

 

Maria Tereza Piacentini, em Não tropece na língua, coluna 214, oferece este excerto: O VOLP 2009 traz infantojuvenil sob o argumento de que infanto é falso prefixo. Já na coluna 293, outra opção: Ao argumento de que a atitude narrada lhe causou prejuízos, pretende o autor sejam declaradas nulas as cláusulas.

 

Proponho-lhes mais uma. Há pessoas que espinafram o uso de construções como esta: Não chegou ninguém aqui. E o fazem com o argumento de que não podem empregar duas negativas na mesma oração. Está certinha da silva. Negativa enfática.

 

Postas essas alternativas, assegurando que o STJ revela forte queda pela forma ao argumento de que, batamos na mesma tecla: a expressão “sob o fundamento” é descabida. Se fundamento é alicerce, base, associá-lo à preposição sob é pôr algo abaixo daquilo que, em princípio, deve sustentá-lo. Por isso dizemos: o prédio foi fundado sobre terreno sólido.

 

Interessante é observar que sob se apropria a um sem número de locuções: sob pressão / sob a égide de / sob o império da lei / sob ameaça / sob proteção da Justiça / sob análise / sob as ordens de / sob medida / inscrito sob (o) número tal / sob falsa acusação / sob tais argumentos / sob pena de ficar sem efeito / sob encomenda. Garanto-lhes, sob minha palavra (e não sobre).

 

Alguém me perguntava: o correto é sob alegação de ou sobre alegação de? Fiquemos com a primeira. Cegalla, em situação análoga, acolhe sob pretexto de: Encerrou o expediente mais cedo, sob pretexto de que precisava encontrar-se com um amigo. Também se admite a variante a pretexto de.

 

A palavra prisma – modo de ver algo – não deve ser regida da preposição sob. O escritor Alexandre Herculano corrobora: Esse via tudo por diverso prisma. Oportuno o esclarecimento de Kaspary: Isso porque a luz se decompõe ao passar pelo (ou através do) prisma, e não sob o prisma.

 

Já a expressão ponto de vista pede a preposição de: do ponto de vista do contribuinte. Aliás, “sob o ponto de vista” é de amargar. Aspecto, por sua vez, acolhe sob ou em. Digamos sem receio: Nesse (ou sob esse) aspecto, a decisão do juiz foi injusta.

 

Conclusão: nos textos jurídicos, em que a precisão mas sobretudo a clareza são indispensáveis, substituamos a forma “sob o fundamento” por torneios mais apropriados. Notadamente por estes: ao argumento de ou com fundamento em. Nosso texto se enriquece, pois imprimem maior elegância.

 

Os erros, dizia o gramático Silveira Bueno, são como as doenças; fáceis de contrair, mas difíceis de curar. Vamos combinar? Cortemos de vez o inconveniente “sob o fundamento”. O Judiciário agradece.

 

Basta!

Cuiabá, MT, 17-6-2016.
            Prof. Germano Aleixo Filho,
                Assessor da Presidência do TJMT.