Enquete
Fechar
Enquetes anteriores

Poder Judiciário de Mato Grosso

 
Notícias

15.07.2016 11:29

Dicas do Professor Germano - adéquo ou adequo
Compartilhe
Tamanho do texto:
 Eu adéquo ou adequo. Ou nenhum deles?

 

Ninguém ignora que o sucesso, de certa forma, está a depender do investimento que fazemos em nós mesmos. Na conta desse autoinvestimento, entra uma moeda de valor indiscutível: a palavra. Ela é que nos distingue.

 

No território do verbo adequar, nem tudo são flores. Fica-nos a impressão de que os gramáticos se esqueceram de combinar a forma de bem conjugá-lo. Uma verdadeira balbúrdia. A passos lentos, depois de muitos disse não disse, ele principia a encontrar seu rumo definitivo. Já não foi sem tempo.

 

Até há pouco, pesava sobre adequar este dogma: fazia parte dos verbos defectivos. Leia-se “defeituosos”, os que apresentam lacuna, falha, em sua conjugação. À época, dizer “ele se adéqua ou se adequa ao ritmo” era total falta de classe. Um despropósito.

 

No presente do indicativo – para ficarmos só nele – tinham prestígio apenas o nós adequamos e o vós adequais. Como fazer para suprir as formas faltantes? Como fugir do feioso adéqua e, mais ainda, do “obsceno” adequa, a ferir orelhas recatadas?

 

Recomendação: recorrer a um destes dois expedientes. Primeiro, substituí-las por um torneio verbal: Ele está adequado às imposições da toga. / Você deve adequar-se a este estilo.

 

Outro recurso: compensá-las com sinônimos. Passeia por aí uma batelada deles: Esta regra se afeiçoa / se amolda / se adapta ao art. 96 da Constituição. Outra mais: Este ditado não se aplica / não se ajusta ao caso. Mais esta: É preciso que a linguagem se compatibilize / se concilie / se harmonize com o público.

 

Diz o provérbio que uma andorinha só não faz verão. Para nosso caso, preferimos conferir-lhe novo sentido: uma andorinha só não faz, verão. Isto é: vocês vão ver. Bastou-nos uma vírgula...

 

Sim, Houaiss foi uma andorinha solitária: em 2001, ousou registrar a conjugação completa de adequar. Em -equar, ed. de 2009, repisa: modernamente, as formas do presente do indicativo ocorrem sob dois padrões: adéquo ou adequo; adéqua ou adequa.

 

Estranham-nos as formas com acento: adéquo, adéquas, adéqua. Para satisfação nossa, o dicionarista, em situações de uso, é apanhado em flagrante: emprega-as sem o desprezível acento.

 

No verbete estereótipo, está lá: algo que se adequa a um padrão culto. Em adaptar: modificar algo para que [...] se adeque... Pelo jeito, o autor acaba por definir sua escolha. Pode até não ter sido amor à primeira vista. Mas que foi testemunhado, isso foi.

 

Sacconi, em seu dicionário, começa espinafrando: a gramática tradicional não reconhece as formas adequo, adequas... Logo após, quase nos pede desculpas: não há, contudo, nenhum absurdo em seu emprego. Pudemos flagrá-lo usando-a, sem ficar nada vermelho. No verbete estancar: se adequa a humores, fonte, chafariz, etc. Adéqua, não. Mais feio que bater em mãe.

 

Cegalla, no Dicionário de dificuldades, abre as comportas e diz o que pensa: não constitui erro usar adequo, adequas; adeque, adeques. Mais que isso. Foi taxativo: Não existem as formas adéqua, adéquam, adéque, adéquem, com e tônico. Show de bola.

 

Talvez já estejamos convencidos de que adéquo e adéqua merecem deserção. Distância deles! A derradeira pá de cal foi dada pela Academia Brasileira de Letras. Em seu Dicionário – DELP, 2008, 2. ed., p. 56, passa a registrar o modo correto de pronunciar o verbo adequar: com u tônico (ú). Agasalha todas as formas: eu adequo, tu adequas, ele adequa... Sem mais lero-lero.

 

Por que essa indecisão resistiu há décadas? Isso se deveu a suas formas malsoantes. Questão de puritanismo. Escrupulosa pureza moral. Uma espécie de “eufemismo” nos acompanha: é a adocicação de um termo, tornando-o mais agradável a nossas orelhas. Repudiamos sílabas e palavras grosseiras.

 

Às vezes, eufemizamos até nossos xingamentos. Costumo dizer: Vá pra ponta da praia! Precisa ser mais claro?... Toalete expurga a pouco conveniente privada. Ele foi acometido de infecção intestinal. Melhor que diarreia. Cruzes! Ouvi certa vez: aquele sujeito é hóspede do Estado. Modo elegante de dizer presidiário. Mais uma: ele anoiteceu e não amanheceu. Falar em morte? Xô!

 

Cá entre nós: há daqueles que veem indecência em todo canto. Não é que ainda hoje o verbo computar causa asco? Lembra-nos prostituta. Por que então aceitamos, numa boa, disputar e reputar? Este o pensar do Prof. Kaspary: isso é totalmente indefensável nos tempos atuais, de salutar arejamento moral.

 

Em referência às formas adequo e adequa, em seu Guia prático, 2. vol., p. 187, o Prof. Cláudio Moreno põe um fecho de ouro a seu artigo: Aposto que a pressão do uso vai dar-lhes, logo, logo, o direito à cidadania gramatical. Sem dúvida, já deu...

 

Fiquemos com Cegalla: Se dizemos recua, porque não adequa (ú)? Depois de ter soado o novo século, que venham a soar, igualmente, formas despidas deste estreito moralismo.

 

Não nos deixemos conduzir pelo falso pudor: empreguemos, sem receio algum, eu adequo, ele adequa. E o que dizermos de adéquo, adéquas, adéqua? Podemos usá-las? Melhor, não!

 

Basta!

Cuiabá, MT, 15-7-2016.

Prof. Germano Aleixo Filho,

Assessor da Presidência do TJMT.