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22.07.2016 11:24

Dicas do Professor Germano - a ou há
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 O recurso chegou a tempo ou tempo?

 

Nossa cabeça fica um tanto embaralhada quando temos de decidir sobre o uso da preposição a em confronto com , forma do verbo haver. Tal dificuldade pode ocorrer com qualquer cristão. Mais que isso: frequenta todas as famílias.

 

Trata-se de um dos erros mais comuns da língua. O que fazer para não cairmos nesta cilada? Precisamos conhecer-lhes as manhas, o que nos convida a um mínimo de atenção.

 

Para princípio de conversa, devo confessar-lhes, sem pudor algum, que este tema – a ou – decorreu de uma dúvida que me assaltou na coluna anterior, no tocante ao verbo adequar. Perguntava: por que essa indecisão resistiu há décadas? Balancei: décadas ou a décadas? Chegaremos ao miolo da questão.

 

Napoleão Mendes nos oferece um relato no mínimo curioso. Alguém escreveu: De hoje há três dias correrá o prazo... O chefe cortou o h, com enérgico traço de lápis vermelho. Tempos depois, voltou o mesmo redator: A multa foi imposta a três dias. O chefe, com o mesmo lápis fatídico, escreveu um tremendo h antes do a.

 

Essa dúvida, pelo jeito, vem de longe. Que tais os reparos? Primeiro: De hoje a três dias correrá o prazo. Faz-se menção ao futuro. Por isso, não cabe o , que indica tempo passado. Vamos à segunda: A multa foi imposta há três dias. Paira conotação de passado: aqui só cabe o , que pode ser substituído por faz.

 

Em rápidas pinceladas, principiamos a esboçar o caminho a seguir. Atenção: quando tivermos dúvida, tentemos substituir a ou por faz. Se a troca mantiver o sentido, usemos o . Se a substituição não for possível, o a é que tem vez. Simples assim.

 

Comprovemo-lo: Meus amigos saíram a / algum tempo. Aqui o verbo faz se apropria ao contexto: Meus amigos saíram há (faz) algum tempo. Vejamos outra: Estamos a / dois meses do Natal. O faz não se revela possível. Então, demos lugar à preposição a: Estamos a dois meses do Natal. É de notar a referência ao futuro: o Natal ocorrerá daqui a dois meses.

 

No título desta coluna, desfilamos duas frases que se aproximam: O recurso chegou a tempo. / O recurso chegou há tempo. Uma e outra, com inteira correção. A tempo significa em / com tempo. Há tempo, de sua vez, corresponde a faz tempo.

 

Propusemos outra: O recurso chegará há tempo. Exala contradição: se o indica passado, de modo nenhum poderemos amarrá-lo ao futuro (chegará). Dois bicudos não se beijam. Observemos, ainda, que o faz aí não cabe. Passada a limpo, fica assim: O recurso chegará a tempo, isto é, em tempo, com tempo.

 

Botemos a cuca pra funcionar: Daqui há dois anos, irei a Paris. Aqui, o não tem acerto. Como o sentido é de futuro – o fato ocorrerá daqui a dois anos –, a presença do confere contradição. Cabe a preposição a: Daqui a dois anos, irei a Paris.

 

Demos novo passo. Quando se referir a distância, também devemos empregar o a: A briga ocorreu a cem metros do colégio. / Estou a três quilômetros de São Paulo. / Ele se acidentou a três passos de mim. Nesses exemplos, o a não pode ceder seu lugar ao faz. Vi outro dia: Há cem metros, vire à esquerda. Nada disso. Senhora pisada na bola! Ops! A cem metros, vire à esquerda.

 

Caminhemos um pouco mais: De há muito, desisti da ideia. Em construções ao modo desta, é o verbo haver que goza de prestígio. De muito equivale a faz muito. Aqui, a palavra tempo está subentendida. Outras mais: Até há três meses, isso não acontecia. Já há tempos, parei de fumar.

 

No princípio desta coluna, fizemos alusão a este fragmento: Por que essa indecisão resistiu há décadas? Resistir, in casu, é verbo intransitivo. décadas corresponde a faz décadas.  Vale por “tanto tempo”: algo como um adjunto adverbial. Podemos deslocá-lo: Por que, há (faz) décadas, essa indecisão resistiu?

 

Mais este exemplo: A invenção do papel remonta a séculos. Por que agora cabe a, e não ? Remontar, aí, significa voltar no tempo, reportar-se ao passado. É transitivo indireto, isto é, seu complemento – a séculos – exige a preposição a. Se remontar, neste caso, já agasalha o sentido de reportar-se ao passado, associá-lo à forma verbal , que também indica tempo passado, constituiria baita redundância. Xô!

 

Arrematemos: se a substituição por faz for possível, devemos usar o . Vamos lá: Há (faz) duas horas, iniciamos a reunião. / Trabalho no Tribunal de Justiça há (faz) dez anos.

 

Por oposição, não cabendo o faz, devemos empregar a preposição a. O curso se inicia daqui a duas semanas. / Estamos a dois meses da inauguração do parque. / O atirador de elite estava a trinta metros do sequestrador.

 

Sem mais mistérios, portanto. O a indicará sempre tempo futuro: Daqui a pouco, começaremos a prova. Ou distância: O carro ficou a menos de três metros do precipício. Já o , forma do verbo haver, indica tempo passado: Ele foi embora há alguns dias.

 

Se essa dificuldade povoava nossa cabeça, agora não mais. Se continua a causar embaraço para o comum dos mortais, deste estorvo estamos definitivamente livres. Merecemos nota mil.

 

Basta!

 

 

Cuiabá, MT, 22-7-2016.

Prof. Germano Aleixo Filho,

Assessor da Presidência do TJMT.