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22.09.2016 19:09

Dicas do professor Germano - De novo, o 'se' intruso
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 De novo, o intruso se

 

Alguém, tomado de inteira razão, se referiu ao pronome se como palavrinha realmente escabrosa. Do latim de onde proveio, scabrum é algo cheio de rugas, não aplainado. Daí para o significado de dificultoso, complicado, foi um pulo. O se esconde mil e uma armadilhas. É nele que mora o perigo.

         

          A coluna da semana passada cuidou de um de seus aspectos ainda mais espinhosos. Duas sentenças – ora com o se, ora sem – abriram a matéria. Centremo-nos naquela que agasalha o intruso: Há urgência em “se” fazer reformas. Ele se intrometeu entre o infinitivo preposicionado. Vade-retro!

     

      Ainda que atribuíssemos o papel de pronome apassivador ao se – conduzindo a oração à voz passiva –, haveria necessidade de pluralizar seu infinitivo: Há urgência em se fazerem reformas.

 

Nada disso é necessário. Bastaria eliminássemos o indesejável: Há urgência em fazer reformas. Oportuno é assinalar que, quando o infinitivo preposicionado funciona como complemento nominal – ligado a um nome que o antecede –, o se é dispensável.

 

É o que deve ocorrer: Há urgência em fazer reformas. O infinitivo preposicionado completa o substantivo urgência. Outros casos: Mediação é um modo de resolver disputas. / Tinha o propósito de obter melhores resultados. / Haverá melhor maneira de consumir frutas? Num livro de português, topamos com segunda opção, igualmente correta: Haverá melhor maneira de se consumirem frutas?

 

Outro passo. Também é supérfluo o se quando acompanha infinitivo que abre uma oração subjetiva, a que exerce a função de sujeito: É indispensável averiguar-“se” a natureza do crime. Perguntemo-nos: o que é indispensável? Esta a resposta, este o sujeito: averiguar a natureza do crime (e não averiguar-“se”).

 

Apagado o se, tais frases ganham em clareza, correção e elegância: Convém observar-“se o regimento. / É forçoso reconhecer-“se a tentativa de estupro. / Não foi possível descobrir-  -“se” o paradeiro do assaltante. Assim, o infinitivo não é antecedido de preposição porque o núcleo do sujeito jamais a aceita.

 

Botemos atenção nestas orações: É imperioso consultar-se os peritos. / Não nos cabe calcular-se os danos. / Faz-se desnecessário reavaliar-se as cláusulas do acordo. Agora, a presença repelente do se nos induz a novo deslize: naufragamos também na concordância verbal. Pluralizados, os termos negritados correspondem ao sujeito do infinitivo, o que imporia o plural.

 

Se bem assim, preferível mesmo é buscar a opção que melhor retrata o caso. Cortemos o indesejável se: É imperioso consultar os peritos. / Não nos cabe calcular os danos. / Faz-se desnecessário reavaliar as cláusulas do acordo. Nota mil.

 

Há um expediente que nos exime de cair na cilada deste extravagante e tolo se: quando o infinitivo em apreço for transitivo direto, substituamos seu objeto direto pelo pronome oblíquo correspondente.

 

Voltemos à oração inicial: Há urgência em “se” fazer reformas. Reescrita a frase à luz do expediente proposto, notamos a ausência do se: Há urgência em fazê-las. Portanto, também na frase-base deve ser suprimido: Há urgência em fazer reformas.

 

Outras mais: É impossível descrever-se o espanto. Vale por: É impossível descrevê-lo. / Convém observar-se as leis. Vale por: Convém observá-las. Refeitas, onde ficou o intruso se? Sumiu. Significa dizer que, nas orações de origem, também devemos sequestrá-lo. É erva daninha. Enxadão nele! Sem dó nem piedade.

 

Se o infinitivo for transitivo indireto, usemos do mesmo recurso, substituindo-o por um verbo transitivo direto com sentido aproximado: É preciso obedecer-se aos pais. Vale por: É preciso respeitá-los. Mais esta: É indigno recorrer-se ao suborno. Vale por: É indigno usá-lo. Nas orações-base, risquemos o indecoroso se.

 

No caso de o infinitivo ser intransitivo, basta que, de pronto, expulsemos o se: Estas são as melhores empresas para trabalhar (e não para “se” trabalhar). / Chegou o momento de falar nessas coisas (e não de “se” falar).

 

Determina a Resolução n. 13 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, de 6-12-1990: Considerando a necessidade de estabelecer-se, com urgência, normas referentes ao entorno das Unidades de Conservação visando a proteção dos ecossistemas. Fica evidente a escorregadela. Mandemos o insosso se passear...

 

Do discurso de posse da Ministra Cármen Lúcia no STJ, pinçamos uma frase que privilegia a opção ativa: É tempo de promover as mudanças. A forma passiva também seria reveladora de acerto: É tempo de se promoverem as mudanças.

 

Por que a presidente do STF elegeu a voz ativa? Razão pra lá de simples: é mais lógica. Mais que isso: bem melhor. Na ativa, o sujeito é o senhor da oração. Cabe a ele governá-la, por se tratar de alguém tomado de vontade própria. Abracemos esta escolha: É tempo de [o homem] promover as mudanças.

 

Bem isto: devemos ser autores do processo de mudanças, não meros espectadores. Se é que pretendemos ser donos de nosso destino... Quantos há que, no curso da vida, se limitam a esperar que as coisas aconteçam. Longe disso! Cabe-nos, isto sim, o papel de protagonistas.

Basta!

Cuiabá-MT, 23-9-2016.

Prof. Germano Aleixo Filho,

Assessor da Presidência do TJMT.