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11.05.2017 16:31

Dicas do Professor Germano - Estupro ou Estrupo
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Há bem pouco presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o Des. José Renato Nalini afirmou de certa feita: Se o Português é essencial para qualquer carreira, em relação ao Direito ele é pressuposto. Dez com louvor! Sem dúvida, um antecedente indispensável.

Dói-nos imaginar que um advogado, referindo-se ao crime que consiste em obrigar alguém a manter relações sexuais, lance mão do inadequado: Ela foi vítima de estrupo”. Quem o fizer estará cometendo, a um só tempo, duas violências: uma contra a vítima, outra contra a Língua Portuguesa.

O fato de correr à solta esse modo de dizer não autoriza que pessoas de nível o acolham. Não faz muito, ao corrigir uma tese, encontrei as trevas: Há diversos tipos de violência sexual, destacando-se o abuso sexual infantil e o estrupo”. Neste contexto, tal forma merece tanto crédito quanto uma raposa cuidando do galinheiro, à noite...

Vamos às fontes. Em latim havia stuprum. Daí veio estupro. Etimologicamente, seu primeiro sentido é desonra, vergonha. Num segundo momento, reveste a acepção de violência, atentado ao pudor. Sempre uma mancha. Por sinal, stuprare significava manchar, sujar.

 

E estrupo? Este termo, só vamos encontrá-lo no VOLP, da Academia Brasileira de Letras. Por ser vocabulário, ele não discrimina seu significado, dando-nos a falsa impressão de que no fundo, no fundo, seria sinônimo de estupro. Embora semelhantes na forma, não se equivalem.

 

Nossos dicionaristas nem sonham em registrar estrupo. Socorre-nos o Dicionário Aulete on-line, que o agasalha. Confere-lhe o sentido de barulho excessivo, estrondo. Conclusão: estupro e estrupo guardam sentidos diferentes. Um e outro são corretos, respeitada a aplicação.

 

Aviso aos marinheiros: usar “estrupo” em vez de estupro – querendo fazer alusão ao abuso sexual – continua sendo crime, não menos hediondo. Digamos mais: antes de 2009, a vítima do estupro era tão só a mulher. Com a Lei n. 12.015, o crime contra a dignidade sexual desconhece gênero.

 

Pontuamos que os dicionários – incluído o DELP, elaborado pela Academia – não apadrinham estrupo. Contudo inscrevem palavras que carregam a mesma raiz: estrupício – sinônimo de grande ruído, algazarra – e estrupido, da família de estrupidar: provocar barulho. De relevar que, em Portugal, só se usa estropício, coerente com o étimo italiano (stroppicio).

 

Em seu Dicionário de dúvidas, de 2016, Evanildo Bechara abre um verbete para estuprar, estupro, estuprador. A grafia correta, acentua ele, é apenas esta: estuprar (violentar). Generoso com a família de estupro, revela-se mão-fechada com estrupo e sua parentalha. Atenção: nem mesmo o VOLP dá abrigo ao verbo “estrupar”.

 

Já me perguntaram se, ao usarmos indevidamente o termo “estrupo” querendo nos referir à violência sexual, ocorre o mesmo fenômeno que sucede quando o homem simples – a léguas de qualquer possibilidade de estudo – usa “largato” em vez do correto lagarto. Não e não. Nada de Trevo do “Largato”.

 

Esta explicação é bastante para comprovar que são vinho de pipa diferente. O VOLP agasalha estupro e estrupo, cada um dono de seu significado. Lagarto, de sua vez, é a única forma digna de crédito. Inadmissível é empregar estrupo com um sentido que não dele: “Estrupo”, um crime abominável.

 

Quem é que, na fala descontraída, não deparou com a pronúncia gostosa – mas igualmente pecaminosa – de “tauba” por tábua? Despropositado, agora sim, é ouvirmos de aluno de Letras este disparate: Já estou no último ano da Falcudade”. Valha-nos Deus!

 

É mais do que chegado o momento de agirmos com juízo. Sem espanto nenhum, esqueçamos estrupo. Pra sempre. Não só no mercado jurídico – onde somente estupro tem acolhida – mas em qualquer outra área. O Aulete, é bom lembrar, já dizia que o termo estava em desuso.

 

Estrupo, sinônimo de barulho, virou palavra ferrugenta, fora de uso. Ninguém se atreveria a dizer: Já alta noite, ouvi um estrupo no quintal. Seria não temer o ridículo. Esta, talvez, a razão por que os dicionários deixaram de consigná-la. Mais ainda: o termo está na UTI, à espera de que lhe desliguem os aparelhos.

 

Por que, então, o VOLP quis trazê-lo de volta à cena? Fico com o inesquecível Prof. Benedito Figueiredo, com seu jeito brincalhão de ser: Há coisas que nem Deus explica!

 

Basta!

 

Cuiabá-MT, 11-5-2017.

 

Prof. Germano Aleixo Filho,

Assessor da Presidência do TJMT.