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24.05.2017 09:23

Dicas do Professor Germano - Entreter e intervir
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Entreter e intervir: suas artimanhas

 

 

É raro toparmos com pessoas – mesmo portadoras de pergaminho – que empreguem sem erro os derivados de ter e vir. Pergaminho, a pele de cabra ou de ovelha utilizada para escrever, é sinônimo de diploma de curso superior. A técnica proveio de Pérgamo, antiga cidade grega. Daí o nome.

 

Embora a palavra não deva ser usada como mero enfeite, cabe-nos dispensar a ela, no mínimo, o cuidado que o jardineiro dedica a seu ofício. Mais seja dito: se fosse para falar e escrever a língua portuguesa de qualquer jeito, nossos pais não teriam investido tanto em nossa formação.

 

Os verbos derivados seguem normalmente seus primitivos. Cara de um, focinho de outro. Significa isso dizer que conter, deter, entreter, manter, obter, reter e outros trilham o caminho de ter. De igual modo, advir, convir, intervir, provir, sobrevir, etc. acompanham o primitivo vir.

 

Nesta coluna, vamos privilegiar os verbos entreter e intervir, exemplos de escorregão constante. O dia a dia nos castiga com sentenças à feição destas: Se o pai “entretesse” o filho, este não dormiria. Certo é entretivesse. / O político nos “entreteu” com muitas promessas. Adequado é entreteve.

 

Vistamos o verbo intervir com o mesmo primor.  Ele intervinha (e não: intervia) em nossas aulas. / Terceiros intervieram (e não: interviram) no processo. / Se o juiz intervier (e não: intervir) no caso, lograrei êxito.

 

No Dicionário de dificuldades, o Prof. Cegalla desfila uma frase em que seu autor tropica na flexão do verbo entreter: Ainda hoje, passados oitenta anos, é mais fácil pensar que o Titanic foi apenas um daqueles filmes-catástrofe que nos entretiamnas sessões da tarde.

 

Do descabido  “entretiam”, ponhamos de lado o prefixo entre. Sobra uma forma mais do que amarrotada: “tiam”. Alguém diz: eles tiam? Recorramos, agora, tão só ao verbo primitivo: [...] filmes-catástrofe que nos tinham nas sessões da tarde. Amarrando entre à forma tinham, resulta entretinham.

 

Vejamos se há deslize nesta frase: Se você entreter o Paulo, sairemos na boa. Se percebemos que o “entreter” foi mal empregado e o certo seria entretiver, acertamos. Só pessoas descuidadas constroem o futuro assim: se eu ter, teres, ter... Certinhas da silva: se eu tiver, tiveres, tiver...

 

Precisamos carregar um pouco de pedra. Afinal, sem dificuldades o sucesso não será nosso companheiro. A construção que, de regra, mais nos embaraça é o fut. do subj., que nasce da 3ª p. do pl. do pret. perf. do ind. Esta, no caso do verbo vir, é: (ontem) eles vieram; de trazer: (ontem) eles trouxeram; de pôr: (ontem) eles puseram.

 

Dela excluindo o -am final, teremos o fut. do subj. de qualquer verbo: quando eu vier, quando eu trouxer, quando eu puser. Causa-nos grande desconforto o emprego do fut. do subj. de ver, sobretudo quando em confronto com o verbo vir.

 

Se a 3ª p. do pl. do pret. perf. de ver é (ontem) eles viram, tirando o -am temos o fut. do subj.:  quando eu vir. Já do verbo vir, esta relação: eles vieram, quando eu vier. Há muita gente por aí, anel de doutor no dedo, que pronuncia assim: Eles “vinheram”, se ele “vinher”, se eu “vinhesse”. Cruzes!

 

Decore esta frase mnemônica: Se você vir (avistar) o Paulo, traga-me notícias dele quando vier (retornar). Tão simples como beber um copo de água. Adicionemos uma boa pitada de atenção: quando eu vir (verbo ver) / quando eu vier (verbo vir). Agora, esta: quando eu “ver” você... Não e não. Só na língua descontraída, com camiseta e bermuda. E olhe lá!

 

Vir e seus derivados agasalham uma forma única para o particípio e gerúndio: vindo, intervindo, advindo... Por não existir o particípio “vido” (certo é: tenho vindo), também não tem fundamento “intervido”(tenho intervindo). Dizemos: Sejam bem-vindos! Aqui, vindos é particípio, bate com chegados.

 Não é preciso dizer-lhes que os textos legais rezam pela cartilha da gramática. Duas amostras: a) A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem... (CC, art. 844) / b) No caso deste artigo, aquele em cujo benefício interveio o gestor... (CC, art. 875).

 

Na seara jurídica, não sejamos motivo de chacota. Usemos tais verbos com propriedade: Intervim (e não: intervi) na discussão.  / Se o promotor interviesse (e não: intervisse)... / Ele se entretinha (e não: entretia) com o jogo. / Se eles entretiverem (e não: entreterem) as crianças, iremos ao teatro.

 

Fazendo-o com acerto, os maiores beneficiados seremos nós. Mais: colaboramos para que a bola de neve desses erros não se avolume ladeira da ignorância abaixo.

 

Basta!

 

Cuiabá-MT, 25-5-2017.

 

Prof. Germano Aleixo Filho,
                Assessor da Presidência do TJMT.