Enquete
Fechar
Enquetes anteriores

Poder Judiciário de Mato Grosso

 
Notícias

29.06.2017 12:43

Dicas do Professor Germano - Discriminar ou descriminar?
Compartilhe
Tamanho do texto:

Discriminar ou descriminar: como discriminá-los?

 

Em seus meandros, a língua portuguesa esconde um sem-número de segredos. Aos que atuamos na área jurídica, cabe-nos desvendá-los. Só assim o texto atinge o fim que se propõe: navegar pelas águas da clareza e da precisão.

 

Há certos pares de palavras que nos confundem por apresentar semelhança ora na grafia, ora na pronúncia. Contudo trazem significação diferente. São parônimos, isto é, nomes parecidos. Sirvam-nos de exemplo: deferir e diferir; emigrar e imigrar. Pequenas mudanças que nos embaraçam.

 

De notar que os eminentes conhecedores do idioma se valem desses aparentes estorvos para nos brindar com verdadeiras pedras preciosas. Isto é do padre Vieira: Com tais premissas ele sem dúvida leva-nos às primícias. Este termo exibe o sentido de primeiros sentimentos, primeiras emoções.

 

Vamos ao miolo desta coluna: descriminar e discriminar. Na grafia, distinguem-se pelo prefixo. De cunho vernáculo – próprio de língua portuguesa –, o prefixo des- indica negação: desleal, destorcer. Já dis-, de origem latina, aponta para separação, distribuição: distrair, distorcer.

 

O que significa descriminar? Sua acepção básica é inocentar, isentar de crime. Daí por que descriminação traduz a ideia de isenção de crime. Nessa esteira, circunstância descriminativa: a que retira do ato em si o seu caráter de crime.

 

Em Linguagem forense, o Prof. Eliasar Rosa se refere a um advogado que, no aceso da defesa, enfatizava: O acusado cometeu crime, mas em legítima defesa. Impropriedade das grossas: a legítima defesa é uma descriminante. Sim, apesar de ter matado, seu cliente não perpetrou crime: matou para defender a própria vida.

 

A essa luz, são merecedores de crédito tais exemplos: Porque atirou em legítima defesa, o tribunal o descriminou. / Minha consciência diz que lei alguma pode descriminar a prática do aborto. / Decepção haverá se vierem a descriminar todos os políticos envolvidos em corrupção.

 

Num provimento da Corregedoria, brotou esta pisada na bola: Quanto ao aluguel, deverá ser “descriminado” o valor total da locação e eventuais locatícios, com o respectivo recibo pago. Ops! Saravá, meu Pai! Demos um chega pra lá nesse inapropriado descriminado. Correto, aí, é discriminado.

 

Afinal, qual o sentido de discriminar? Bate com diferençar (estabelecer diferença entre), distinguir, discernir. Na linguagem comum, reveste a noção de especificar, relacionar. Corre à solta, com feliz acerto, seu substantivo: A discriminação racial não deve ter vez.

 

Algumas passagens apropositadas: Segundo a Constituição, discriminar pode ser crime. / A bula discrimina as contraindicações do medicamento. / Rosto a rosto, eram parecidos: impossível discriminá-los.

 

O proceder comum do Volp é listar a grafia dos vocábulos existentes, classificando-os conforme o gênero (masc. e fem.) e a classe gramatical (substantivo, adjetivo...). No entanto, tão batida é a trilha de equívocos no emprego dos parônimos em apreço, que ele fez questão de especificar-lhes o sentido: descriminar (tirar a culpa) e discriminar (diferençar).

 

No mais das vezes, os dicionaristas registram que descriminar e descriminalizar são variantes. De Plácido e Silva documenta: descriminação é o mesmo que descriminalização. Aliás, segundo Houaiss, descriminalizar foi proposto para substituir descriminar, que se confunde com discriminar.

 

Renomado jurista, Clóvis Beviláqua foi sócio-fundador da Academia Brasileira de Letras. Quem a integra, recebe o nome de imortal: supõe-se que, com a perenidade de sua obra, será sempre lembrado. Clóvis renunciou à imortalidade porque a ABL, à época, recusou a inscrição de sua esposa, a escritora Amélia de Freitas, a primeira mulher a se candidatar.

 

Discriminação pura. Os acadêmicos – não deixa de ser cômico – argumentaram que o estatuto se referia a “brasileiros”, por isso não contemplava as mulheres. Clóvis contragolpeou: aquilo que o regulamento não proíbe, permite. A luta feminina fincava suas primeiras estacas.

 

Escoou-se o tempo. No STF, temática candente, uma mulher – na qualidade de presidente – abre a sessão num tom conciliador: Senhores Ministros! Lança por terra qualquer perspectiva discriminatória. Poderia ter expandido a deferência à ministra presente. Preferiu quebrar a barreira do sexo, vestindo a todos com a mesma toga. Um baita exemplo!

 

Basta!

Cuiabá-MT, 29-6-2017.

 

Prof. Germano Aleixo Filho,

Assessor da Presidência do TJMT.