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Poder Judiciário de Mato Grosso

 
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25.05.2016 15:30

Adoção de crianças com deficiência: amor em dobro
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O dia 11 de abril de 2016 é uma data marcante na vida da enfermeira Selma Ferreira da Silva, 40 anos. Neste dia a Justiça concedeu a ela a guarda provisória da pequena Ana Vitória (nome fictício) de 6 anos, que até então vivia no Lar da Criança, em Cuiabá. O caso de adoção poderia ser mais um, em meio a muitos outros, não fosse o caso da menina ser neuropata. Atualmente, conforme dados do Cadastro Nacional de Adoção, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 70% dos 34.809 pessoas cadastradas com pretensão de adotar, não aceitam uma criança com doença ou deficiência.
 
Clique AQUI e assista a reportagem produzida pela TV.Jus.
 
O fato de Selma estar entre os pretendentes que aceitam tem um filho adotivo com necessidades especiais por si só já que é gesto de amor em dobro e muito desprendimento, sem falar da quebra de paradigmas e preconceito que ainda envolve o tema.
 
A história, porém, que está por trás da adoção de Ana Vitória e que levou Selma a tomar esta decisão é ainda mais grandiosa e emocionante. Ela já teve dois filhos (um biológico e outro adotivo) com deficiência física e mental. Ambos morreram há pouco mais de dois anos.
 
Selma se casou e teve três filhos biológicos, Igor, Victor e Yasmin. A vida da família seguia sua rotina até o dia em que Victor, na época com cinco anos, sofreu uma forte convulsão, iniciando uma longa luta pela vida. Depois de muitas idas e vindas a vários hospitais, inclusive em São Paulo, veio à dura notícia. Victor passaria o resto da vida em estado vegetativo.
 
Começou ai uma nova etapa na família de Selma, que não era acostumada a viver com uma criança que necessitava de cuidados especiais 24 horas por dia. “No primeiro momento veio à revolta. Eu me perguntava por que estava acontecendo aquilo comigo, eu chorava, sofria, mas meu filho precisava de mim e eu precisava reagir. Sai da condição de vítima e passei a estudar para cuidar dele. Tudo o que era preciso eu aprendi. Passei a ler sobre os cuidados com alimentação, medicação, reabilitação. Além disso, fui atrás de informações sobre direitos, leis, acessibilidade e tudo o que meu filho precisava para ter o mínimo de qualidade de vida”.
 
Selma passou a se dedicar em tempo integral para o filho. Foram dois anos de muita luta até que em 2009 o quadro clínico de Victor se agravou e o menino foi levado para a UTI, onde ficou por longos meses. Neste período Selma conheceu o pequeno Miguel, na época com 11 meses de vida. A criança, que nasceu neuropata, tinha recebido alta, mas não foi levada para casa porque a mãe não tinha condições de cuidá-lo.
 
“Eu ficava no hospital o tempo todo e acabava cuidando do Miguel também. Passeava com ele nos corredores do hospital, e aos poucos fui me apaixonando por aquele bebê. Eu conversava com a mãe biológica, que certo dia me falou que não iria levar o filho, porque não tinha onde morar e nem condições de cuidar dele. Eu então conversando com Deus falei: Senhor, se me der mais uma chance de eu levar meu filho para casa e vou levar o Miguel comigo. E Deus atendeu o meu pedido, Victor, contrariando a medicina, recebeu alta”.
 
Selma passou então a travar outra batalha para adotar a criança, já que o menino era cego, surdo, tinha traqueostomia e alimentava-se apenas por sonda. “A Justiça entendia que eu já tinha um filho com necessidades especiais que já exigia muito de mim, como eu poderia levar outro. Cheguei a ouvir certa vez de uma pessoa: você já tem um problema, e ainda quer levar outro para casa. Como assim? Eu nunca vi meu filho como problema”.
 
Depois de muitas brigas, idas e vindas a Justiça, Selma finalmente conseguiu a guarda provisória de Miguel. Tudo resolvido? Não. Ela precisou enfrentar outra batalha, bem mais cruel e velada: o preconceito. “As pessoas me chamavam de doida. Diziam que meu marido e eu éramos loucos. Sofremos demais. Perguntavam o que eu esperava de uma criança assim. Eu não adotei o Miguel esperando nada, adotei por amor, isso basta. Mesmo assim as pessoas nos julgavam, muitos se afastaram da minha família, como se nossos filhos por serem especiais tinham uma doença contagiosa. O tempo, porém, mostrou que o amor fala mais alto. Nós nunca escondemos nossas crianças porque elas eram deficientes. Para nós, isso nunca foi problema”.
 
As crianças viviam em home care, pois necessitavam de cuidados especiais em tempo integral. A casa de Selma, porém, não vivia uma atmosfera de doença. “Sempre fomos felizes. Sempre fiz festa de aniversário para as crianças. Eles adoravam moda de viola. Eu os levava ao clube para tomar banho de piscina. Quando entrava com eles na água os outros pais retiravam seus filhos, como se os meus fossem contamina-los. Eu não os guardava, nunca fiz isso. Deus me deu a oportunidade de cuidar deles e eu sempre procurei fazer o melhor”.
 
As crianças faziam fisioterapia, equoterapia e todos os tipos de reabilitações recomendadas para que pudessem ter qualidade de vida. Ainda assim, com todos os cuidados necessários no dia 1º de maio de 2013, aos 12 anos de idade, Victor partiu, deixando uma dor imensurável na família. Oito meses depois, no dia 21 de setembro de 2014, com quatro anos, foi à vez de Miguel acompanhar o irmão. Duas mortes, duas perdas, duas chagas abertas no coração. Luto, sofrimento e dor tomaram conta de todos.
 
“Minha casa ficou um vazio enorme. Meu filho mais velho foi morar sozinho. Ficamos nós três: eu, meu marido e a minha filha de 12 anos. Falei com meu esposo que nós poderíamos apadrinhar uma criança, que pudesse passar pelo menos os finais de semana conosco. Ele concordou e então fomos ao Lar da Criança. Quando chegamos lá só estavam às crianças neuropatas e a minha identificação com elas foi imediata”.
 
Em meio aos neuropatas que estão no Lar da Criança – todos aptos para a adoção – estava a pequena Ana Vitória, sentada em sua cadeira de rodas, com as perninhas cruzadas (sim, ela faz isso sozinha). “Foi amor à primeira vista. Já sai dali com ela apadrinhada”.
 
Essa linda história de amor começou em novembro de 2015. Cinco meses depois Selma já havia conseguido a guarda provisória da criança, um passo importante para adoção. A rapidez deve-se a Lei 12.955/14 que dá prioridade de tramitação a processos de adoção de crianças ou adolescentes com deficiência ou doença crônica, que em fevereiro deste ano completou dois anos.
 
“Eu me sinto muito preparada para cuidar dela. Sei todos os cuidados que devem ser tomados e o que ela precisa. Uma criança especial não dá mais trabalho que uma criança sem deficiência. Ela exige mais cuidados, só isso. O fato é que as pessoas não querem ter trabalho com nada. Por meio dos cuidados e do fazer a gente aprende a dar amor”, conta Selma que já começou a estudar novamente para cuidar da filha. “Tenho que saber tudo o que ela precisa para que possa ser feliz e ter qualidade de vida”.
 
Quando tinha os dois filhos Selma comprou um veículo e mandou adaptá-lo para transportar as crianças. Dois anos depois da morte dos meninos ela ainda não tinha conseguido vender o carro, que agora usa para transportar a filha. “Acho que no fundo, no fundo, meu coração sabia que iria adotar outra criança especial”. Questionada sobre o fato se pretende adotar outra criança Selma dá um sorriso e responde: “Confesso que tem um menino neuropata no Lar da Criança que encheu o meu coração de amor. Quem sabe?”.
 
A secretária-geral da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), Elaine Zorgetti Pereira, explica que as crianças com necessidades especiais têm prioridade absoluta, tanto no apadrinhamento, quanto nos casos de adoção. “Se o pretendente quiser uma criança especial com certeza ele vai passar na frente dos demais pretendentes e a adoção será muito rápida, pois é isto que diz a lei”, explica.
 
Conforme ela, mesmo que lentamente, o perfil dos pretendentes a adoção aos poucos está mudando. “Antes a maioria só queria bebês. Hoje o perfil está mais abrangente, os pretendentes estão abrindo para a adoção tardia e também para adoção de crianças especiais. Atualmente das 75 crianças que temos no Estado, aptas para a adoção, 30 são especiais, sendo que a maioria delas está no Lara da Criança, em Cuiabá”, diz Elaine, completando que os que desejam apadrinhar uma criança (especial ou não) devem procurar a Ceja, em Cuiabá ou Várzea, ou fazer o cadastro on line (Veja no link abaixo). No caso de adoção os pretendentes devem também preencher o cadastro on line (Veja no link abaixo), ou procurar diretamente às varas da Infância e Juventude.
 
Para a juíza da Primeira Vara da Infância e Juventude de Cuiabá, Gleide Bispo Santos, quando o assunto é adoção, ainda existe rejeição com relação às crianças com deficiência. “Mas nós temos tido umas experiências bem exitosas. O ano passado, por exemplo, tivemos a adoção de uma menina de 15 anos, ela é neuropata e agora tem uma família. Recentemente tivemos este caso, ainda processo de adoção, com êxito. Estamos trabalhando, por meio da busca ativa, outros pretendentes”.
 
Segundo ela, o processo de busca ativa sem dúvida tem ajudado bastante. “Fizemos um processo de busca ativa para a adoção tardia, nós tínhamos algumas crianças de 7 a 12 anos, e até mais e tivemos muito êxito, conseguimos que elas fossem adotadas. Nós temos buscado alguns caminhos como, por exemplo, abrir a casa de acolhimento para os casais, para as pessoas que estão em processo de preparação para a adoção, isso facilita bastante, pois elas interagem com as crianças e as crianças acabam sendo adotadas. Outro caminho foi fazer consulta da lista independente do perfil, muitas vezes o pretendente tem o perfil para bebê, mas a partir do momento em que você oferece uma criança maior, ou com deficiência, existe uma possibilidade muito grande de haver interação, isso tem sido muito importante para nós, porque nós temos conseguido algumas adoções através deste caminho.
 
A magistrada ressalta que todas as crianças com necessidades especiais já estão destituídas do poder familiar, de modo que elas estão aptas para a adoção. “Essas crianças na verdade têm muito amor para dar. É muito gratificante, as experiências demonstram que não é a pessoa, o adotante, que vai se doar, ela vai receber muito, pois relação de amor profundo”.
 
Atualmente, são 6.323 crianças e adolescentes registradas no Cadastro Nacional da Adoção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Destas, 793 têm deficiência mental ou física e 88 têm HIV, que é considerada uma doença crônica. Por outro lado, há 34.809 pais com pretensão de adotar, mas destes, 24.266 só aceitam crianças sem doenças ou deficiências, ou seja, quase 70% dos pretendentes.
 
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Janã Pinheiro
Coordenadoria de Comunicação do TJMT
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