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26.08.2016 12:27

Dicas do Professor Germano - Ela gosta de aparecer ou de se aparecer?
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 Ela gosta de aparecer ou de se aparecer?

 

Manifestei a um amigo a intenção de trazer o tema de hoje à baila, ponderando que o pronome se ora é amado – exigido pelo verbo de que depende –, ora é odiado. Neste caso, sua presença não só é dispensável. Usá-lo, traduz afronta às orelhas do ouvinte.

 

Curioso foi o que ele me disse: mas isso é fichinha! Este tópico não é tão simples assim. Prova disso é que, no geral, se recorre muito mais à forma inadequada. Por alguma razão será...

 

Tenho comigo que essa “pérola” brilha com intensidade maior em razão do aval da mídia televisiva. Alastra-se por todos os cantos, erva daninha que é. Sem dó nem piedade, passemos o enxadão nela. Correto é tão somente isto: ela gosta de aparecer.

 

Se adicionássemos o pronome se ao verbo aparecer – ela gosta de “se” aparecer –, teríamos uma construção descabida. Os autores, quando tratam deste caso específico, acentuam que tal pronome é inútil. Nada mais apropriado: algo sem préstimo, desnecessário, supérfluo. Seu lugar é o lixo!

 

Quando dúvidas tivermos sobre a presença ou ausência do pronome se, a primeira coisa por fazer é analisar o verbo que o ladeia. Certos verbos há que são pronominais essenciais: Ela se queixa dos professores. / Casou muito cedo e se arrependeu. “Queixar” e “arrepender” não sabem andar sozinhos: são irmãos siameses do pronome se. Não vivem sem essa bengala.

 

Mais que isso: consultemos um bom dicionário. Haveremos de notar que aparecer é verbo que, normalmente, se apresenta como intransitivo, isto é, dispensa qualquer tipo de complemento.

 

Pontuemos algumas ocorrências: O réu apareceu para prestar depoimento. / No jogo da seleção, Neymar apareceu como ninguém. / Apareceu uma mensagem na tela do computador. Nesses casos, negritado sempre o sujeito da oração, aparecer é intransitivo. Imaginemos esta feiura: O réu se apareceu para prestar depoimento. Xô!

 

O povo usa à beça esta construção indigitada, a merecer censura: Ele quer “se” aparecer. / Ela fez isso apenas para “se” aparecer. / Meu amigo não é nada discreto: gosta de “se” aparecer. Eliminando o excrescente se, as orações ficam perfeitas.

 

Nessas orações, aparecer encerra o sentido de exibir-se, mostrar-se, ostentar-se. Aurélio atribui a ele o significado de fazer-se notar, pôr-se em evidência. Para o Prof. Luft, quer dizer brilhar socialmente em festas e reuniões. De qualquer forma, sua presença se faz mais frequente na linguagem popular: Querendo “se” aparecer, só usa roupa de marca.

 

Botemos nisto nossa atenção: embora o pronome se não goze de prestígio com o verbo aparecer, ele passa a ser de lei com exibir e seus assemelhados: Ele faz de tudo para se exibir. / Vaidosa, gosta de se mostrar. / Os novos-ricos adoram ostentar-se.

 

Na mesma esteira de aparecer, prefiramos usar sobressair e acordar sem o pronome: O advogado sobressai por seu preparo. / Você, de novo, acordou tarde! Por nada neste mundo cometamos este atentado: Ela “se” sobressaía pela beleza. / Ele “se” acorda sempre antes das seis horas.

 

Por outro lado, muitos verbos há que reclamam a presença do pronome. Corre por aí, na boca e na pena de pessoas um tanto distraídas: Ele formou em Letras. / Eu formei em Letras. É de doer! Em Letras, com certeza, esta pessoa não se formou. Correto é dizer: Meu amigo se formou em Direito. Nós nos formamos em Medicina. Eu me formei em Letras. Bem mais elegante, não?

 

No rumo de formar-se, há uma batelada de verbos que, em função reflexiva, estão amarrados ao se: O brasileiro se aposenta cedo. / Ela se assusta por um nadica. / A moeda se desvalorizou. / Ela se enriqueceu à custa do pai. Construir essas orações sem o pronome é, literalmente, pisar no tomate. Gafe pura!

 

Merece cuidado esta frase: Rogo ao Presidente (que) se digne de ouvi-lo. No caso, mesmo omitida, a conjunção que continua a impor a próclise do pronome se. Pospô-lo ao verbo é falha das graúdas. Num manual de redação forense, o autor advoga esta construção: Do exposto, é a presente para requerer digne-se [sic] Vossa Excelência de conceder a liminar. É defender o indefensável...

 

O Dicionário Sacconi assim define o verbete exibido: que ou aquele que gosta de aparecer, de se exibir... Com aparecer, o autor usou o verbo limpo, sem o supérfluo se. Já no caso de exibir, o se está lá, belo e formoso. Por que será?

 

Isso ocorre porque exibir, diferentemente de aparecer, é verbo transitivo direto: O rapaz exibia seu músculo. / O professor exibe erudição. Quando o objeto direto se confunde com o próprio sujeito, empregamos o pronome se: O artista se exibia todo – isto é, se exibia para si mesmo.

 

Diante disso tudo, usemos aparecer – sempre sem pronome, no sentido de exibir-se – e formar – com pronome, no sentido de diplomar-se – como manda o figurino. Rechacemos o modo de dizer que destoa: Você quer mesmo “se” aparecer, então coloque uma melancia na cabeça! / Ela formou em Letras. É de lascar!

 

Eu, de minha parte, me formei em Direito. Quem se forma em Direito tem uma obrigação: conhecer a língua portuguesa.

 

Basta!

 

Cuiabá, MT, 26-8-2016.

Prof. Germano Aleixo Filho,

Assessor da Presidência do TJMT.