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Poder Judiciário de Mato Grosso

 
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14.06.2017 08:58

Dicas do Professor Germano - Despender
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 Dispêndio com “i”, despender com “e”. Por quê?
 

De tanto ver, de tanto ouvir algo inapropriado, nós nos habituamos com essas formas, como se corretas fossem. E até chegamos a nos surpreender quando, topando com as mesmas construções, agora usadas de modo adequado, passamos a julgá-las erradas.

 

Sirva-nos de exemplo a palavra “mussarela”, grafia que aparece, sem rubor algum de quem a escreve, nas mercearias e nos botecos do bairro. O Volp – Vocabulário da Academia (ABL) – aponta três possibilidades: duas delas se iniciam com a sílaba mu, duas outras trazem a medial za. Apesar da falta de acento, gravemos a dica: “Mumu e Zaza”.

 

Montemos o quebra-cabeça, fácil como andar pra frente: muzarela, muçarela e mozarela. Essas, as três saídas. No entanto Seu Quinzinho, o dono do boteco, estampa todo orgulhoso no cartaz de seu estabelecimento: “mussarela”. Oooops! Embora haja três corretas, ele opta por uma quarta, bem a forma errada...

 

Seja como for, é o caso de perguntar: alguém consegue engolir a tal mozarela, recomendada pelo Volp? Feia que dói! Excluída, estou convicto de que, entre muçarela e muzarela, palatável é tão só muçarela, em simpatia com nossa pronúncia. O queijo napolitano agradece...

 

Não sei onde, li esta frase: As palavras não são coisas, mas podem ferir tanto como pedras e cajados, e iludir enormemente. Bem isto: a pedrada machuca, sobretudo quando sabemos que, em linguagem técnica – ao modo da jurídica –, a precisão é indispensável.

 

Vamos à dúvida proposta. Ela nos deixa encasquetados: se escrevemos dispêndio com i, por que seu verbo é escrito com e: despender? Esclareça-se que dispêndio – gasto excessivo, consumo – vem do latim dispendium. O mesmo se dá com o adjetivo dispendioso, dele derivado.

 

Algumas ocorrências, comprovação do acerto: Meu dispêndio de energia elétrica é elevado. / O dispêndio do dinheiro público virou uma farra. / Nossas férias foram muito dispendiosas. / Vive reclamando dos hábitos dispendiosos do marido. (Só para sermos simpáticos à ala feminina.)

 

E despender? Registre-se que essa – tão somente essa – é a grafia correta. “Dispender” não encontra teto em dicionário algum. No entender de Cândido de Figueiredo, filólogo de renome, e do latinista Napoleão Mendes de Almeida, despender se originou de dependere, sentido de pagar, empregar. Atenção: trazia o prefixo de-.

 

Como então explicar o s de despender? Na língua portuguesa, isso não é caso isolado. Outras palavras percorreram o mesmo caminho: delocare nos deu deslocar. Desnudar vem do verbo latino denudare. Aliás, denudar e desnudar são variantes, uma e outra registradas no Volp.

 

Eis a forma nota dez: Muitos há que despendem sua herança como se fosse um nunca acabar. / Quanta energia e tempo despendeu na feitura da tese! / Esta é de Machado de Assis: O pior é que ele despendia o ganho e mais. Elegante é usá-lo com a ideia de prodigalizar, distribuir com largueza: Sempre generosa, despendia encanto e graça. / A ele despendi os mais nobres elogios.

 

Os textos legais não descambam para o mau emprego. Reza o artigo 38 da CF/88: [...] a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão despender com pessoal mais do que sessenta e cinco por cento do valor das respectivas receitas correntes.

 

A vida nos ensina a nunca dizer: desta água não beberei. E não é que fomos encontrar a forma inexistente – errada, portanto – lá no Dicionário da Academia Brasileira, o Delp? Está no verbete mordomia: conforto de que se pode desfrutar sem “dispender” maior esforço. A falha – culpa, na certa, do digitador! – confirma que a perfeição é coisa de Deus.

 

Josué Machado é autor de um livro delicioso: Manual da falta de estilo. Testemunha, na p. 29, que esse escorregão é frequentíssimo. Faz referência a um redator que escreveu na primeira página do jornal: O Banco Central americano “dispendeu” US$ 2 bilhões...

 

Para fugir do impasse, Valdir Fidélis, no boteco, lançou mão do verbo morrer: Todos tiveram que morrer em cinquentão para pagar o almoço de amigo-secreto. É baita gíria.

 

Como devemos, no mercado jurídico, vestir nosso linguajar com paletó preto, quando não azul-marinho, e gravata-borboleta preta, sensato é abraçarmos o modelo que o figurino manda: despender e dispêndio. Palmas para nós!

 

Basta!

 

Cuiabá-MT, 14-6-2017.

 

Prof. Germano Aleixo Filho,
                 Assessor da Presidência do TJMT.