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Poder Judiciário de Mato Grosso

 
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27.07.2017 14:37

Dicas do Professor Germano - Acatar
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 O juiz não acata: ele acolhe

 

A palavra tribunal – fácil é apreender-lhe o sentido – deriva do latim tribuna, equivalente a estrado, depois púlpito, de onde o juiz proferia sua sentença. Traduzia um espaço elevado, a sinalizar o alto poder que o Estado dispensava a ele. Hoje se confunde com o colegiado dos desembargadores.

 

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal é a mais alta corte. Supremo porque sobressai aos demais. Corre esta frase: Ainda há juízes em Berlim. Carrega a confiança que havemos de depositar na Justiça, por força de sua ascendência mais que tudo moral: não deve se curvar, jamais, à voz dos poderosos.

 

O núcleo da coluna de hoje orbita em torno do verbo acatar. O magistrado, por atuar em nome do Estado, passa a ser detentor de autoridade. Por outras palavras: dizer que o juiz “acatou” a solicitação do advogado é graúda impropriedade. Certo é: o juiz acolheu a solicitação do advogado.

 

No português desengravatado – em que a língua passeia descalça pelas ruas e pelos campos –, usamos, de vez em onde, acatar na acepção de acolher, deferir um pedido. Vejamos: Amigo, acatamos sua sugestão. / O Procon é um órgão especializado em acatar reclamações da população. 

 

A vereda que o Judiciário deve percorrer é bem outra, em harmonia com a norma culta, cenário onde se insere a linguagem jurídica. Atenção: nem sempre o que se permite na fala descontraída poderá ser expandido para uma linguagem mais cuidada, balizada pela clareza e pela precisão.

 

Intriga-me o percurso semântico de acatar, enraizado num hipotético accaptare. Nosso captar é cópia dele: Não captei o sentido de suas palavras. Desde que veio ao mundo, acatar valia por pegar. Curioso é que, na Tribuna, navega como obedecer. Como explicar essa migração de sentido?

 

Há faros (indícios) de que o contato com as mãos nos conduziu à experiência visual. Isto é, ao pegar alguma coisa, lanço sobre ela meus olhos. Daí observar. Em dois pulos, notamos que estes verbos são sinônimos: observar um regulamento é o mesmo que respeitar, portanto obedecer.

 

Acatar é próprio de quem deve cumprir o que foi ordenado. Nas Forças Armadas, a graduação é fundamental, assentada sobre uma escala rígida de comando. O superior é que dá o tom: manda e não pede. No Judiciário, investido de autoridade o juiz decide, determina. Cumpre à parte acatar.

 

A técnica da linguagem jurídica recomenda usemos acatar no significado de obedecer, respeitar, cumprir. No cerne da questão, uma relação de subordinação: Cabe ao mandatário acatar as instruções do mandante. Vale o conselho do homem do campo: Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

 

Em portuguesíssima frase: O juiz acatou a decisão do egrégio Tribunal de Justiça. Nesse contexto, o colegiado fala mais alto, o que justifica o uso de acatar, aplicado ao juiz. Num livro técnico, a pérola: Credito esse equívoco jurídico a um pedido de arquivamento, que pode ser “acatado” por este Tribunal. Não e não. Com correção: que pode ser acolhido.

 

O Prof. Sérgio Nogueira, em O português do dia a dia, registra exemplo esclarecedor: O juiz da décima Vara Federal de Brasília [...] acolheu (e não acatou) a denúncia do Ministério Público Federal. Corre com igual acerto: o juiz recebeu a denúncia. No caso, ressoa a equivalência dos Poderes.

 

Há obras que, de tão íntimas, passam a fazer parte da família. Têm o poder de vassourar nossas dúvidas. Habeas Verba, do Prof. Adalberto Kaspary, merece esse status. No verbete rectius advérbio latino, sinônimo de mais corretamente –, há uma citação que se apropria ao tema.

             

           Vamos a ela: Não há nenhum demérito em o juiz acatar [rectius, acolher] os embargos de declaração para suprir omissão porventura existente na sentença. Logo abaixo arremata: Acatar significa, tecnicamente, observar, cumprir, obedecer, respeitar. Um livro que faz jus a muitos aplausos.

 

                Por tudo que ficou dito, acatar não se afina, em geral, com a atuação profissional do juiz, que é, em verdade, o próprio Poder Judiciário. No entanto, esse verbo se legitima quando, no outro prato da balança, estiver um órgão hierarquicamente superior. Uma ressalva: sinal de respeito mútuo, usual é o emprego de acolher se ambos forem do mesmo escalão.

              

               No embate jurídico, bastas vezes topamos com acatar em lugar do apropriado acolher, verbo que agasalha o sentido de dar acolhida a, atender a. Fiquemos com esta frase, limpa de senões: O juiz acolheu a tese de prescrição de prazo. A precisão da linguagem jurídica agradece.

 

Basta!

 

Cuiabá-MT, 27-7-2017.

 

Prof. Germano Aleixo Filho,

Assessor da Presidência do TJMT.