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Poder Judiciário de Mato Grosso

 
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15.03.2019 13:51

Projeto com olhar para o agressor inibe perpetuação da violência doméstica
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O álcool é apontado como o grande vilão da história do tratorista G.L.S, 39 anos, e da mulher dele, que não trabalha fora e com quem convive há 17 anos. O casal que vive em Nossa Senhora do Livramento, tem três filhos e está superando um drama que assola milhares de famílias: a violência doméstica.
 
Com apoio do projeto Bem de Família, idealizado pelo juiz da Vara da Violência Doméstica de Várzea Grande e diretor do Fórum, Eduardo Calmon de Almeida Cezar, o tratorista reconhece que precisa mudar a postura para conquistar a paz em casa. “Agora sei que errei”, garante.
 
De acordo com o magistrado, quase que 100% dos réus que respondem por violência doméstica não se reconhecem como agressores e acabam procurando uma desculpa para ter tido aquela atitude. “Mas isto é o espelho da sociedade que vive. Dificilmente alguém irá se responsabilizar por um fracasso”, define Eduardo Calmon. “A ideia do projeto é tratar do agressor, para que ele reconheça que errou, resolva internamente aquilo que o afeta, através de ciclos restaurativos ou tratamento, e depois assuma o seu papel na sociedade”, resume.
 
Na avaliação de Calmon o projeto preenche uma lacuna já que até então não havia em Várzea Grande este olhar sobre o agressor. “Ao ampliar o atendimento, impedimos que esse homem se torne um multiplicador de agressões contra a mesma vítima ou contra novas. Desde novembro de 2016, quando o Bem de Família começou, até agora percebemos que 95% dos atendidos não reiteram na pratica delituosas”.
 
Em fevereiro, G.L.S participou do sexto e último encontro do projeto e deu sua versão sobre o caso. “Era um sábado. Cheguei cansado do serviço. Ela foi para casa da mãe dela e eu fui ‘tomar uma’ para relaxar. Depois fui conversar com ela e ela estressou comigo, veio pra cima de mim, me agredindo e daí foi”, declara evitando falar que agrediu a mulher.
 
“O vizinho escutou o barulho e chamou a polícia e eu fui parar no CRC”, disse ao se referir à prisão no Centro de Ressocialização de Cuiabá. “Nunca agredi minha esposa fisicamente, foi só uma discussão e nisso o vizinho escutou e chamou a polícia”, desconversa. “Eu gritei, estava meio alterado”, admite.
 
“Eu vim para cá (projeto Bem de Família) porque o advogado disse que eu tinha que participar desse encontro. Já passei por cinco encontros e hoje é o último”, cita. “Aprendi muito sobre o álcool, assisti palestras, tanto é que desde quando saí do CRC até hoje não bebi. Perdi a vontade. Eu já não era muito de beber mesmo, aqui me deu mais força para parar o álcool”, afirma.
 
“Sempre fui tranquilo, a bebida que estragava o relacionamento. Agora está sendo ótimo, com harmonia em casa, sem discussão”, avalia. “O relacionamento com a família melhorou, financeiramente está melhor, sobra um dinheirinho a mais e agora tenho tranquilidade em casa”, compara.
 
“Em Livramento já vi muitos casos de marido batendo em mulher, é comum ter brigas de casais, todo casal discute. Eu também já tinha discutido com a minha mulher, desta vez foi a discussão mais forte. Eu errei, não devia ter discutido”, diz sem admitir a agressão física.
 
Apesar do relato G.L.S acabou admitindo que esta não foi a primeira vez que houve desentendimento com a mulher. “Da primeira vez ela chamou a polícia e desta vez foi o vizinho”. A assessoria do juiz Eduardo Calmon informou que o tratorista é réu por lesão corporal no âmbito familiar.
 
O projeto Bem de Família consiste em fornecer assistência para o agressor no sentido de iniciar um tratamento adequado por meio da comissão multidisciplinar do Fórum, formada por assistente social e psicóloga, capaz de identificar eventual patologia ou problema que aquele cidadão possa estar sendo acometido e encaminhá-lo para tratamento. Além disso, na primeira etapa da iniciativa o agressor tem que participar, ao todo, de seis reuniões mensais, os chamados círculos restaurativos.
 
Ele funciona da seguinte maneira: uma vez feita à prisão em flagrante do agressor, ele é encaminhado à delegacia. Após ser detido, ele segue para o sistema judiciário, onde são apresentadas condições para sua liberdade provisória, que uma delas, é a participação no projeto.
 
“Havendo a possibilidade de o agressor ser solto sem que haja risco para a vítima, ele comparece em juízo à audiência de apresentação e nesta audiência são fixadas algumas condições para sua liberação provisória. Entre as condições fixadas está a participação no projeto Bem de Família”, explicou o magistrado.
 
Projeto semelhante é desenvolvido em Cuiabá. Ele se chama Esperança e foi implantado em setembro de 2016. No próximo dia 29 de março, ele será realizado em uma nova formatação dando ênfase à cultura machista no direito sistêmico por meio dos ensinamentos das constelações familiares trazidas pelo alemão Bert Hellinger e a programação neolinguística.
 
“Com isso, esperamos que esses homens tenham compreensão da complexidade desse emaranhado em que eles estão inseridos e o quanto essa violência impacta de forma muito negativa a vida deles, a vida das mulheres vítimas e também dos filhos. Essas ações fazem com que haja uma repetição desse ciclo de violência e todo esse sofrimento na vida de milhões de pessoas no Brasil”, explica o juiz da Primeira Vara de Violência, Jamilson Haddad.
 
O magistrado ressalta ainda que projetos como esses denotam o quanto o Judiciário tem a preocupação de quebrar o ciclo da violência. “Nós temos um Brasil que cumpre a Constituição da República e, por isso, temos que olhar o ser humano. Se há um homem que está incorrendo da prática de violência, então ele também precisa de ajuda para romper a reincidência dessa realidade. Da mesma forma como a mulher deve se empoderar para ou permanecer em uma relação sadia ou ganhar força para romper com essa relação. Para isso, ela também precisa compreender que não é culpada pelo fim do relacionamento.”

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Alcione dos Anjos e Keila Maressa
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