Poder Judiciário de Mato Grosso
Notícias
29.05.2020 19:46
Juíza destaca importância do fluxograma para garantir sucesso de depoimento especialO fluxograma adotado no município de Nova Mutum (239 km de Cuiabá) para o atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual é apontado como o principal responsável pelo êxito do depoimento especial. A avaliação é da juíza da 3ª Vara da Comarca, Ana Helena Alves Porcel Ronkoski, que juntamente com a promotora de justiça Ana Carolina Rodrigues Alves Fernandes e a psicóloga Alessandra Cristina Salesse, participou nesta sexta-feira (29/05) do webinário sobre Depoimento Especial promovido pelo Poder Judiciário de Mato Grosso.
Desde a entrada em vigor da Lei nº 13.432/2017, também conhecida como lei do depoimento sem dano, em abril de 2018, a magistrada diz que já realizou 130 audiências de depoimento especial, utilizando a experiência do Projeto Luz, implantado na Comarca pelo Ministério Público Estadual e parceiros, entre eles o Poder Judiciário. O projeto definiu um fluxograma de ação para cada representante da rede de proteção à infância do município, a fim de garantir que a criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência sexual preste depoimento apenas uma vez, evitando reviver a dor e o constrangimento.
“Não tem como pensar no depoimento especial sem pensar no fluxo. Se o objetivo do depoimento especial é fazer com que a criança preste depoimento uma única vez, da forma adequada, em um sala do Fórum, para se colher um depoimento puro, sem ter sido sugestionada, o fluxograma é essencial, porque se não tiver protocolo de atendimento anteriormente, ela vai chegar no fórum tendo sido ouvida em delegacia e já pode estar sugestionada”, observou a magistrada.
Além de prestar depoimento uma única vez, evitando ter que explicar o abuso para vária pessoas, muitas delas até sem treino para lidar com um assunto tão delicado, a magistrada ressaltou que o fluxograma garante celeridade para a realização da audiência, com o ajuizamento de cautelar para produção antecipada da prova. E quanto mais cedo ocorrer a audiência, mais chance a criança tem de lembrar como, onde, e em que contexto o abuso ocorreu, evitando o risco do esquecimento.
Durante o webinário, a magistrada mostrou fotos da sala de depoimento especial, onde a vítima fica com a psicóloga, responsável por colher as informações. O ambiente é organizado de modo a fazer a criança se sentir segura. Tem também brinquedos, como fantoches, papel, lápis de cor, massinha, materiais que, além de distraírem a criança, ajudam a contar sobre o abuso. Na sala ao lado ficam as partes, juiz, promotor, advogado e réu.
Tudo na lei, segundo a juíza, prioriza o direito e o bem-estar da criança, inclusive o direito que ela tem de não prestar depoimento. A magistrada também destaca a importância de tratar a criança com honestidade, explicando, por exemplo, que a audiência é gravada e quem estará na sala ao lado. Caso a criança demonstre medo ou constrangimento pela presença do réu na sala, ele será retirado. “Não apenas o direito do réu, mas o direito da criança vítima tem que ser observado. O foco da lei, o objetivo, é a proteção da vítima”, ressaltou.
Projeto Luz - A promotora de justiça Ana Carolina Rodrigues Alves Fernandes contou que o Projeto Luz foi criado em Nova Mutum diante da constatação de uma realidade comum a todas as comarcas em que trabalhou. Os casos de abuso sexual infantil demoravam muito para ser apurados, tanto na fase policial como na fase judicial, e as vítimas eram ouvidas diversas vezes, por profissionais que não detinham a capacitação e muitas vezes até a qualidade pessoal para o trabalho. “Nós, profissionais de direito, precisamos reconhecer que não sabemos ouvir. O abuso sexual é um trauma grande na vida da vítima, precisamos ter entendimento de que não é um papel, é uma pessoa, que teve a sua vida, a sua sexualidade, afrontadas”.
Essa situação levou a promotora a idealizar um procedimento padrão e capacitar todos os participantes da rede, de conselheiros tutelares a psicólogos, policiais militares, policiais civis, delegados, entre outros. Também foi realizado um trabalho de sensibilização da sociedade para o problema, envolvendo igrejas, escolas da rede pública e privada, escolas de idiomas. “Ao final capacitamos quase 2.250 pessoas e as notificações aumentaram de forma absurda”, destacou.
A partir do fluxograma, em caso de denúncia de abuso sexual, o Conselho Tutelar, que tem os profissionais legalmente aptos a lidar com esse tipo de ocorrência, é acionado e faz todos os procedimentos. A criança não entra na delegacia. A rede se comunica pelo whatsapp e após checagem do Conselho Tutelar, a criança já recebe uma medida de proteção, os serviços municipais de saúde, educação e assistência social são acionados, assim como a polícia e o Ministério Público. “Na área criminal pedimos medida de proteção e, na Justiça, pedimos depoimento especial”, disse a promotora, atribuindo o resultado à segurança proporcionada pelo projeto tanto para as crianças e adolescentes quanto para os profissionais da rede de proteção.
Com a chegada da pandemia do coronavírus foi preciso avançar e, no último dia 26, foi lançado um aplicativo do Projeto Luz na Comarca de Nova Mutum. Agora, as mensagens que eram enviadas via whatsapp, são enviadas pelo aplicativo e chegam no grupo da rede. A novidade ainda está em fase de teste, mas assim que essa fase for concluída, o aplicativo estará apto a ser usado em qualquer cidade que decida aderir ao projeto. “Mesmo em casa será possível comunicar as autoridades sobre casos de abuso sexual”, lembrou a promotora.
Ana Carolina Fernandes concluiu que o Projeto Luz foi importante também para unir a rede de combate à violência sexual. “Conseguimos resultados importantes, inclusive de prevenção, além de resultados efetivos, de punição”, comemorou.
Segurança - Responsável pelo depoimento especial no Fórum de Nova Mutum, a psicóloga Alessandra Cristina Salesse disse que a prioridade é fazer a criança ou adolescente vítimas de abuso se sentir seguro e tranquilo. Para isso, são adotados alguns procedimentos. “O primeiro passo é fazer a criança se ambientar, é importante explicar o que vai acontecer, que a entrevista será gravada e que será acompanhada por pessoas na sala ao lado”.
Alessandra destacou a necessidade de manter a criança tranquila e para isso é necessário evitar que ela veja ou tenha contato com o acusado. “É preciso que ela esteja tranquila porque ali é um momento de produção de prova, onde ela terá que recriar a situação, recriar o contexto, entender porque está ali, para poder narrar os fatos, o que aconteceu, a forma como ocorreu”.
O atendimento à criança continua ao final do depoimento, quando a juíza entende estar satisfeita com as provas produzidas. A psicóloga acompanha a criança até a saída, nova ente tendo cuidado para evitar encontro com o réu. psicóloga Alessandra Cristina Salesse Quando percebe necessidade de outros atendimentos da rede, a psicóloga aciona o serviço.
Alessandra Salesse explica ainda que é muito importante ter estudo psicossocial dessa vítima antes do depoimento, porque assim ela tem mais informações sobre a família, sobre o contexto em que vive a criança, se ela é ou não protegida. “Nossa responsabilidade é proteger a criança para que ela conte a história sem pressão, em um ambiente tranquilo, a fim de diminuir o dano”, concluiu a psicóloga, que encerrou a apresentação.
A abertura do webinário foi feita pelo presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Carlos Alberto Alves da Rocha. O mediador foi o juiz auxiliar da Presidência, Túlio Duailibi. Também palestraram a juíza Marina Carlos França, diretora do Foro da Comarca de Alto Araguaia (423 km a sudeste da Capital), e o juiz Jurandir Florêncio de Castilho Júnior, da 14ª Vara Criminal de Cuiabá, que tem competência para julgar este tipo de ação na Capital.
O evento contou com transmissão em Libras, como forma de fortalecer a política de acessibilidade do PJMT. Também foi apresentado um vídeo institucional, com os canais para denúncias, como o Disque 190, Disque 180 e Disque 100. O webinário foi transmitido ao vivo pela Página Oficial do TJMT no canal You Tube e a íntegra pode ser conferida AQUI.
Nadja Vasques
Coordenadoria de Comunicação do TJMT
Imprensa@tjmt.jus.br