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Poder Judiciário de Mato Grosso

 
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19.04.2016 15:50

A gestação do filho adotivo
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Número 369, casa amarela, grade azul, portaria eletrônica, localizada na rua Manoel Ferreira de Mendonça, bairro Bandeirantes, quase no centro da capital de Mato Grosso. Esse é o endereço da esperança, dos sonhos e do medo da rejeição. Mas antes de chegar ao destino, cá estou a quase duas horas diante do espelho. Nada parece justificar a minha demora em escolher uma roupa para ir ao trabalho, nesta quinta-feira (7 de abril), véspera da comemoração dos 297 anos de Cuiabá. Nenhuma razão aparente para atrasos. Nessa hora o único pensamento que deveria predominar era: “Graças a Deus, o feriado está próximo”.
 
No entanto, a data era muito importante. Estar mais bonita ou com uma roupa mais apresentável parecia ser imprescindível. A visita ao Lar da Criança, autorizada pela juíza da 1ª Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá, Gleide Bispo Santos, foi marcada para as 17h30 do dia 7, com muita antecedência pela Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara), responsável pela preparação dos pais adotivos no curso chamado “Pré-Natal da Adoção”.
 
Com apoio da Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ) de Mato Grosso, a Ampara ministrou de 7 de março a 11 de abril, toda segunda-feira, das 19h às 21h30, na Escola dos Servidores Desembargador Atahide Monteiro da Silva, seis módulos com informações e orientações para cerca de 30 pretendentes. Cada um deles contemplou conteúdos específicos: I- A Ampara: Objetivos, projetos e a importância do voluntariado; II – Aspectos jurídicos da adoção; III- Compreendendo a adoção; VI – A gestação do filho adotivo – Visita ao Lar da Criança; V- Vivenciando a adoção e VI – Dialogando com a família.
 
Nesse grupo, na primeira turma do projeto em 2016, encontram-se eu e meu namorado Alessandro Herrero. Além dos colegas de trabalho e novos amigos, a jornalista Viviane Moura e esposo Arnildo Souza; o editor de imagem Alessandro Pulquerio e a mulher Silvia Vilanova. Juntos, aprendemos como enfrentar uma gravidez invisível, que geralmente ultrapassa os nove meses da gestação normal.
 
Para minha surpresa, quando cheguei à redação, às 12h30, percebi que Alessandro e Viviane também estavam com roupas novas. Aliás, bem mais arrumados do que o normal. Vivi, como carinhosamente é chamada, contou-me o quanto demorou para escolher aquele belo vestido estampado. Alê (o editor) também confessou que a camisa polo era nova. Sim, é verdade. Estávamos todos ansiosos por conhecer os 25 menores abrigados na instituição mantida pelo governo do Estado por meio da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social (Setas-MT).
 
Diante da riqueza da história dos personagens e do ambiente ao qual iríamos interagir, não faltariam elementos para nos deixar ainda mais nervosos. Afinal, aprendemos no curso Pré-Natal da Adoção, por intermédio dos depoimentos de pais adotivos, que o “olho no olho” muda tudo”; “você não escolhe, eles escolhem você”; “quando chegar lá, poderá se apaixonar por alguém que não está dentro do perfil escolhido”. Valei-me, São Benedito! Tudo poderia ser uma grande surpresa. No entanto, como driblar a ansiedade e a tensão? Não existe fórmula neste caso. Infelizmente, não estamos no comando. A nossa gestação poderá durar vários anos, e a saga de olhar o andamento do número do processo de adoção na internet só está começando.
 
Em compensação, a visita era algo real, concreto. Ciente sobre as questões legais que envolvem as crianças e adolescentes do Lar, procurei abrir as portas do meu coração para conhecer o Leandro, Roberto, João, Maria, Pedro ou Giovana (nomes fictícios). Enfim, gostaria de ir além dos nomes dos moradores daquela unidade de acolhimento. Mas quando apertei o interfone do prédio, os sentimentos voltaram a pipocar. Desta vez, com mais força.
 
As formalidades, necessárias, contribuem para fomentar esse turbilhão de emoções. Assim que entramos no Lar da Criança é preciso assinar o livro de controle da instituição. Em seguida, entregamos os salgados e refrigerantes aos colaboradores, para uma pequena festinha que viria a seguir. Uma moça simpática indicou a sala onde estavam os demais visitantes. Lá, profissionais da Ampara e da unidade explicaram como seria o encontro e quais os cuidados que deveríamos tomar. Entre eles, não fazer nenhuma promessa a fim de não gerar frustrações. Éramos para agir com a maior naturalidade possível.
 
Enfim, fomos encaminhados para o local onde estavam os menores. Até chegar lá fui observando os espaços: na entrada, algumas plantas e vários extintores de incêndio, refeitório, enfermaria, identificação dos quartos dos bebês e por aí vai. Nada parecido com uma casa. Tudo muito institucional, inclusive o carro da Home Care do lado de fora.
 
Após passarmos várias salas chegamos à área de lazer. Eles estavam lá, todos recém-banhados, com roupas bonitas e sentados num banco de madeira. Naquela hora, percebi que eles também se preocuparam com aparência. Os dois lados queriam ser aceitos. Mas nesse encontro recheado de emoções, sabe quem ficou mais acuado? Nós. Os pretendentes. Ou melhor, os futuros pais adotivos.
 
A noite já havia chegado. Tinha pouca luz no espaço, mas podíamos ver o rostinho daquelas crianças, quietas e bem desconfiadas. Alguns, os adolescentes, procuraram ficar bem distantes das atividades ou conversavam com um dos 17 cuidadores que estavam de plantão. Em outras palavras, o contexto é de cortar o coração. No geral, são crianças maiores de sete anos, pardas, negras, e claro, tem mais meninos do que meninas. Lá não havia nenhum bebê disponível. Certamente, eles entram nos abrigos e logo saem, pois fazem parte do anseio da maioria dos pretendentes.
 
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), referentes a 2015, o Brasil tem 5.624 crianças aptas para adoção e 33.633 pretendentes, ou seja, para cada criança existem seis adotantes. Infelizmente, os números não mudam porque o perfil desejado pelos adotantes é o inverso da realidade dos abrigos. Mas a preparação oferecida pela Ampara busca preencher essa lacuna e evitar as devoluções durante a tramitação do processo ou até mesmo após concretizada a adoção. A capacitação fez toda a diferença na hora da visita.
 
No começo não se ouvia nenhum barulho. Aos poucos fomos nos acalmando e voltamos nossos olhares para a pedagoga Vânia Piau Santana Campos, que fazia uma dinâmica com objetivo de propiciar interação entre pretendentes e possíveis filhos adotivos. Depois do lanche, nós visitantes estávamos mais soltos, tentando estreitar uma aproximação com os menores. Alguns chegaram a brincar de bola com os meninos mais velhos.
 
Ali, naquele momento, olhando o jogo de futebol sentada no balanço ao lado do L.A. e da cuidadora do Lar, mudei o perfil de criança desejada. Foi um dia emocionante e, de fato, o olho no olho muda tudo. Vi o quanto aquelas crianças e adolescentes precisam de um lar, de pais amorosos e dispostos a vencer o medo da adoção de uma criança mais velha. Medo dos traumas que já pode ter sofrido, de não conseguir estabelecer uma relação de mãe, pai e filho com ela. Porém são temores naturais, que podem ser enfrentados.
 
A visita ao Lar da Criança balançou estrutura de muitos casais. O desejo de Juliana e Fábio Brandão, por exemplo, foi ampliado. Eles pretendiam adotar um bebê de 0 a 1 ano. Agora, já abriram possibilidades para crianças com até seis anos. A auxiliar administrativa Juliana Brandão é filha adotiva. Logo, a emoção falou mais alto, pois se identificou com várias situações apresentadas durante o curso. Num gesto de carinho, declarou: “amor e atenção é o que elas mais querem”.
 
Na gestação invisível somos e seremos colocados à prova em vários momentos. Parece difícil entender que o processo de aproximação entre pais e filhos adotados é delicado. Só que esse vínculo pode ser estabelecido por meio da conquista e confiança. A recompensa da adoção tardia pode ser maior do que o trabalho.
 
Estou disposta a enfrentar esse desafio, pois encontrei no endereço 369 motivos para querer vencer barreiras. Acredito na teoria de uma estudiosa sobre assuntos de família que “o amor é um tesouro que, quanto mais se divide, mais se multiplica, e se enriquece a medida que se reparte”.
 
 
Juliana Velasco/Fotos: Tony Ribeiro (Agência F5)
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