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31.08.2015 15:04

Dicas do Professor Germano - Quem ama educa
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Quem ama, educa

– Em homenagem a Içami Tiba –

 

 

Em 2 de agosto de 2015, despediu-se de nós o psiquiatra Içami Tiba. Escritor por excelência, trazia em sua bagagem mais de trinta livros. Como dói saber que conferimos tão pouco valor a pessoas desse quilate. Simplesmente passou...

 

Interessa-nos, mais que tudo, centrar nossa atenção no título de seu 14º livro: Quem ama, educa! Esta obra, apenas ela, vendeu mais de um milhão de exemplares. No total, a venda de seus livros ascende a quatro milhões. Para quem, um dia, sonhou ser caminhoneiro, é de admirar.

 

Sua obra-referência foi Quem ama, educa! Quando a lançou no mercado, não faltou quem, do alto de seu conhecimento, desferisse farpas contra ele. Acusavam-no de ter escorregado já no título. Maldade pura!

 

De fato, lá no saudoso curso ginasial aprendemos que constituía falha imperdoável o emprego da vírgula entre o sujeito e o verbo. Eis um princípio válido também para a pontuação de nossos dias.

 

O mesmo pecado cometeríamos se puséssemos vírgula entre o verbo e seu objeto, ou entre um núcleo e seu adjunto. Veja o absurdo: João comprou, um carro. A casa, de madeira foi refeita. Como maltratamos o texto com essas vírgulas bisonhas!

 

Há em português uma ordem canônica a ser respeitada: sujeito – verbo – objeto. Às vezes, a ela acrescentamos uma circunstância de tempo, lugar, modo...

 

Vejamos esta oração: Maria emprestou a caneta à sua colega (na escola). Aí estão: sujeito / verbo (transitivo direto e indireto) / objeto direto / objeto indireto / e adjunto adverbial, algo opcional. Nessa sequência, a vírgula não tem vez jamais.

 

Terá ela sentido em duas situações. É possível quebrar esta ordem com a intercalação. Nada mais é que a inclusão de um elemento novo: Maria emprestou, vocês sabem, a caneta à sua colega na escola. Por ser algo estranho ao ninho, verdadeiro intruso, convém cercá-lo com as duas vírgulas.

 

O mesmo pode ocorrer com a inversão de um elemento – próprio da ordem canônica – para uma posição que não é a sua: Maria, na escola, emprestou a caneta à sua colega. Deslocado, o adjunto adverbial fica ensanduichado entre vírgulas.

 

Enfrentemos o touro: Quem ama, educa! Numa primeira reflexão, essa vírgula desfaz o vínculo entre o sujeito – quem ama, isto é, o amador/amante – e seu predicado: educa. Isso nos convidaria a prontamente apagar aquele enxerido tracinho, a que chamamos vírgula.

 

Significa isso, sem mais delonga, que o correto seria: Quem ama educa! Despido da vírgula. No entanto, não coloquemos o carro adiante dos bois. Há um elemento novo na história. A “regra” – em pontuação, mais apropriado seria dizer recomendação, conselho, orientação – que manda não colocar vírgula entre o sujeito e seu verbo perde seu status quando posta ao lado de algo mais significativo: na produção de um texto, nada é mais importante que a clareza. É dona do pedaço.

 

Isto não podemos esquecer: escrevo para o leitor. Na linguagem jurídica, o mesmo entendimento: escrevo para a parte. Leitor e parte, os dois beneficiários do texto. Para que compreendam a mensagem, toda em favor deles, se pode atropelar até mesmo uma “regra”.

 

Em sua deliciosa obra sobre pontuação, o prof. Cláudio Moreno repisa vezes mil: o motivo essencial de existir a pontuação é orientar o leitor na interpretação do que está escrito. A essa luz, Içami Tiba, acolitado por seu editor, optou pela vírgula – Quem ama, educa! – para facilitar a instantânea compreensão da frase. Deu valor a quem se endereça o livro: ao leitor. Aplausos ao autor.

 

Essa quebra do padrão canônico – separar o sujeito do verbo por uma vírgula –, nós a encontramos em Mário Palmério, mineiro de Monte Carmelo: Aquela, era a minha oportunidade. No virgular, pretendeu o escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, assinalar uma pausa expressiva, buscando maior ênfase. É como se nos dissesse: Aquela – e não a outra – era a minha oportunidade.

 

O povo – que não é nada bobo – vai imprimindo seu conhecimento de mundo por meio de provérbios. Por isso se diz sabedoria popular. Recorre, para tanto, ao mesmo padrão usado por Içami Tiba, em que a parte inicial – quem ama – recebe o nome de oração subjetiva, dita também sujeito oracional, iniciada por quem.

 

Alguns provérbios: Quem cochicha o rabo espicha. / Quem entra na chuva é pra se molhar. / Quem fica parado é poste. / Quem morre de véspera é peru. / Quem não chora não mama. / Este é curioso: Quem com porcos se mistura farelo come. Com uma virgulazinha, ficaria bem melhor! Concordam?

 

Privilegiemos um: Quem não tem cão caça com gato. A verdade manda dizer que este provérbio é uma adulteração – mais correto seria dizer corruptela – deste: Quem não tem cão caça como gato. Por outras palavras, caça à maneira do gato, que parece estar espreitando tudo. Para não errar o bote, vai pé ante pé, quase abafando a respiração, silencioso como o mais matreiro dos gatos.

 

Agora, o mais importante desta coluna. Quanto ao título da obra de Içami Tiba – Quem ama, educa! –, por que está correto? Para eliminar de vez esse impasse, seguimos a trilha já percorrida por Cláudio Moreno. Não há nada melhor. Esclarecedora.

 

A princípio, se devemos reservar a vírgula para assinalar o que quebra a estrutura canônica da oração, à primeira vista parece não haver razão para inseri-la no título em apreço. Então, por que os bons escritores recorrem, de onde em onde, a ela? Pontifica o prof. Moreno: Para assinalar com maior clareza o fim do bloco do sujeito.

 

 Finalizemos. Há quatro possíveis saídas. Mais comum é escrever sem a vírgula – confirmado na relação dos provérbios –, embora sua presença não caracterize nenhum pecado mortal: Quem avisa amigo é. Quem bate no cão bate no dono. Na mesma toada, a proposta inicial: Quem não tem competência não se estabelece. Seja com vírgula, seja sem ela.

 

Por vezes, a vírgula passa a ser recomendável, útil, o que se dá quando os dois verbos estiverem um ao lado do outro: Quem quer, faz. Quem não quer, manda. Na linguagem do futebol: Quem não faz, leva. Aqui se encaixa o foco deste artigo: Quem ama, educa! Engrossemos o exército daqueles que partilham desta opção. Aliás, é o proceder do Dicionário editado pela Academia Brasileira de Letras: Quem viver, verá.

 

Há uma terceira situação: se o verbo for idêntico nas duas orações, a vírgula é indispensável: Quem sabe, sabe. Quem pode, pode. No estádio do Morumbi, o vendedor de picolés gritava a plenos pulmões: Quem não pediu, “pida”.

 

Mais esta possibilidade. Numa rotatória de uma grande cidade, chamou-me a atenção esta faixa: Quem ama vacina. Nada disso: faltou a necessária vírgula. Vamos lá: no caso, tem ela o papel de desfazer qualquer ambiguidade quando o verbo da frase se confunde com o substantivo que tem a mesma grafia. Ponha a vírgula – e ponto! Em nome da clareza. Daí: Quem ama, vacina. Assim, o verbo vacinar – imunizar por meio de vacina – é que ganha um lugar ao sol, e não o substantivo: quem ama (a) vacina.

 

Outros exemplos: Quem quiser, peça. Quem deseja, casa. Quem ama, cobra. Fique muito claro: não se trata de alguém que “quer peça”, que “deseja casa”. Cá entre nós: “quem ama cobra” é vinho de outra pipa.

 

Palmas pelo emprego adequado da vírgula: Quem ama, educa! Aplausos a Içami Tiba pela vida primorosa que palmilhou.


Basta!


Prof. Germano Aleixo Filho,
Assessor da Presidência do TJMT.