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09.09.2016 15:28

Dicas do professor Germano - O 'se' intruso
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  O intruso se: não há lugar melhor para "se" viver

Quando formos empregar o pronome se associado a um infinitivo preposicionado, todo cuidado é pouco. No geral, está destituído de função. Intrometido, quer entrar na festa sem ser convidado. E o faz sem que seja detentor de título nem de direito. Por ser penetra, verdadeiro bicão, não é nada bem-vindo.

Uma revista propagandeava as vantagens de uma cidade: lugar cada vez melhor para “se” viver. Qual a função desse se? Nenhuma. Basta o infinitivo impessoal para expressar a indefinição do sujeito: para (a gente) viver. Expulsemos o entrão, e o texto ganha em qualidade: um lugar cada vez melhor para viver.

Nesta coluna, desfilaremos um festival de frases – sempre com um infinitivo preposicionado – que ora aceitam, ora repelem o se. Caso não seja suficiente para sanar o problema (e não para “se” sanar), servirá para suscitar dúvidas (e não para “se” suscitar). Trata-se da primeira condição para chegar à verdade (e não para “se” chegar). Abaixo o se virótico! É veneno puro.

Pontuemos algumas orações – ou pedaços de oração – em que se mete o abelhudo se. Basta que o apaguemos: Para “se” obter a aprovação... / A necessidade de “se” morar bem... / Para “se” chegar a esse resultado, somaram-se os dados das três comarcas. / Já é hora de “se” investigar esse homicídio.

O Prof. Pasquale, no primeiro volume de Inculta e bela, traz significativo artigo a tal propósito, encimando este título: O charme de se morar bem. Assinala que bastaria se dissesse: O charme de morar bem. A frase sobrevive sem o enxerido “se”.

 

Em meu entender, a presença descabida desse se configura, de certa forma, redundância. Não por acaso, o infinitivo, usado sem flexão alguma, recebe o nome de impessoal. O nome já diz: não pode ter pessoa. Sem sujeito próprio. Portanto, por si só já confere generalização. Dispensa que esclareçamos quem é o sujeito.  

 

Se assim é, encadeá-lo ao pronome se – que também é indefinidor –, caracteriza abuso, reforço. Portanto redundância. Seria algemar dois elementos – infinitivo impessoal e pronome se – portadores de impessoalidade. Xô! Essa dupla não só nos enfeia o texto. Consegue desqualificá-lo.

 

Curioso: em certas orações, o infinitivo, ainda que preposicionado, exige a presença do se. Ocorre que, neste caso, o infinitivo não é impessoal, mas pessoal. Seu sujeito está ali, vivinho da silva. Pode vir expresso – aparece escrito na frase – ou elíptico, nome do velho sujeito oculto.

 

Vejamos: Para (ele) se inscrever, pagou a taxa. / O réu foi intimado para (ele próprio) se manifestar. / O advogado perdeu a oportunidade de (ele mesmo) se pronunciar. / O modo de se comportar deste juiz é invejável. / Apresentou toda a documentação para (ele) se aposentar. Nesses casos, a presença do pronome é de lei.  Afinal, ele não “aposenta”, mas se aposenta.

 

Voltemos ao infinitivo impessoal. Às vezes, na tentativa de justificar a presença do se (e não de “se” justificar), corremos o risco de cair em nova cilada. Se tal pronome já se revela inútil quando o substantivo que segue o verbo está no singular – para “se” evitar confusão –, erro graúdo de concordância haverá se este estiver no plural: para “se evitar” confusões.

 

Inadequação menor, é certo, teríamos com esta construção: para se evitarem confusões. Assim, ocorreria uma oração passiva, em que seu sujeito – confusões – impõe que o verbo com ele concorde. Equivale a isto: para que confusões sejam evitadas.

 

Embora essa construção seja abonada por alguns escritores, o melhor que fazer é apenas riscar o indesejável se: para evitar confusões. O infinitivo – por ser impessoal – não tem sujeito. Confusões, agora, é mero objeto direto. Foi o caminho percorrido por Napoleão Mendes, em seu Dicionário de questões vernáculas, p. 85.

 

Assegura que, numa matéria de jornal, esbarrou com esta frase: Havia o costume de se convidarem algumas mulheres. E se pergunta: Que estava aí fazendo o se? A ideia é a de atividade e não de passividade. Portanto, o apropriado é usar o verbo na voz ativa: Havia o costume de convidar algumas mulheres.

 

O Prof. Cegalla, na p. 212 de seu Dicionário de dificuldades da língua portuguesa, aponta como má concordância do infinitivo: A ocupação ordenada é a forma mais eficaz para se evitar invasões. Assevera: A frase ficaria correta, e melhor (grifo nosso), se construída na voz ativa: ...é a forma mais eficaz para evitar invasões. Conclusão nossa: já pra rua, “se” intruso!

 

A grande verdade é que o inadequado emprego desse se – acorrentado ao infinitivo impessoal preposicionado – é tão frequente que, nem sempre, percebemos a excrescência. Encontramos a pérola não só nos jornais e revistas. Nos livros de doutrina jurídica, ela também está lá, pomposa que só.

 

Josué Machado, em seu delicioso Manual da falta de estilo, leciona que se trata de uma espécie de se inútil, que se gruda como craca ao infinitivo preposicionado. Em tais circunstâncias, o que fazer? Arremata ele: É só cortar o se inútil... para ter as frases limpas e claras (e não para se ter).

 

Basta!

 

 
Cuiabá, MT, 9-9-2016. 
Prof. Germano Aleixo Filho, 
Assessor da Presidência do TJMT.