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Poder Judiciário de Mato Grosso

 
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01.06.2016 16:08

Constelação ajuda por fim a ciclo de violência
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No início tudo é maravilhoso. Como em um conto de fadas, o príncipe encontra a princesa e tudo lhes agrada um no outro. Com a estudante Joana (nome fictício), 21 anos, não foi diferente. O primeiro namorado parecia ser o homem dos seus sonhos. Até que no terceiro ano de relacionamento, surgiu uma gravidez inesperada. E pronto, como um passe de mágica, o “príncipe encantado” se transformou e negou a paternidade. Somente após a confirmação do exame de DNA, ele se convenceu que o bebê era seu filho. Por pressão da família, eles tentaram reatar, mas não deu certo. Dois anos depois, quando Joana começou a reconstruir a vida, entrou na faculdade e mudou de casa, o ex-namorado reapareceu, fazendo várias ofensas, xingamentos e ameaças. Com medo, a jovem o denunciou à Justiça.
 
Joana está entre as centenas de mulheres vítimas de violência física e psicológica, que entram diariamente para as estatísticas do país. Em Mato Grosso a realidade, infelizmente, não difere do restante do Brasil. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) revelam que entre janeiro e abril de 2016, 31 mulheres foram assassinadas no Estado, ou seja, uma vítima a cada quatro dias. A maioria dos casos começa pela ameaça, evolui para as agressões e termina com a morte da vítima.
 
Para tentar resolver essa difícil equação e prevenir novos homicídios, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), por meio da Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher de Cuiabá, realizou pela primeira vez o projeto de Abordagem Sistêmica – Constelações Familiares aplicado no âmbito da Violência Doméstica. A dinâmica ocorreu na tarde desta terça-feira (31/05), no Fórum da Capital.
 
 
Idealizado pelo juiz Jamilson Haddad Campos, com auxilio da orientadora sistêmica Gilmara Thomé, a Constelação Familiar consiste em um método terapêutico que auxilia as vítimas a tomarem consciência do porquê estão envolvidas em um conflito violento com os parceiros, por meio da análise do contexto histórico dos ancestrais delas. Sabendo o que houve no passado, elas voltam a se empoderar e findam com o ciclo de violência. Para isso, o magistrado convidou 18 mulheres vitimas de violência doméstica para participar de uma audiência coletiva e posteriormente da constelação familiar.
 
“É um projeto piloto da Vara Especializada em Violência Doméstica, mas que pretendemos expandir. Tenho como incentivo a desembargadora Clarice Claudino, que tem estimulado o uso de técnicas de pacificação social para resolver os conflitos. Após realizar alguns cursos, fiquei convencido da importância desta nova ferramenta, que é uma revolução diante de tanto sofrimento, considerando que o Brasil é o 5º país em violência doméstica no mundo”, evidenciou o magistrado.
 
A orientadora sistêmica, Gilmara Thomé, explicou que todos recebem dos pais biológicos informações que geram sentimentos. E quando essas informações, sentimentos e vivências, que foram passadas através do DNA, são trazidas à tona por meio de um relacionamento, os conflitos aparecem. E esses embates se dão, justamente para que os ciclos familiares sejam rompidos e a dor acabe. “Nossas avós e tataravós não tinham conhecimento e muito menos a oportunidade de discutir e resolver assuntos ligados ao relacionamento conjugal. As mulheres sabem que têm direitos e que ninguém pode tocá-las. Mas, ainda assim muitas não conseguem fazer nada para sair do relacionamento. Isso acontece porque elas acabam repetindo os comportamentos e as histórias de seus ancestrais”, esclareceu.
 
Solução – Mas, como parar de repetir essa conduta? Segundo a orientadora, muitas vezes mesmo desconhecendo as histórias dos nossos antepassados, continuamos a repetir seus hábitos. “Isso acontece porque a pessoa está fora do lugar dela. Todos temos um lugar dentro da família e se a gente está nesse papel, ficamos fortes, pois obtemos um grande poder, o de controlarmos a nós mesmos. Mas, quando estamos deslocados, perdemos esse poder e não conseguimos controlar os impulsos que surgem, como tristeza, raiva, violência, entre outros”, disse.
 
 
Ela ensinou ainda que o primeiro passo é olhar com respeito à história dos nossos ancestrais, sabendo que eles fizeram o melhor que puderam. “O segundo passo é sermos gratos pelo o que somos, sem, no entanto, querer tomar o lugar deles. Muitos filhos querem solucionar as questões dos pais e por isso repetem seus comportamentos. Se eu ficar cuidando da vida dos meus pais, acabo ficando de costas para a minha vida e assim as coisas não fluem”, advertiu Gilmara.
 
Enquanto a terapeuta falava, algumas mulheres se emocionaram e outras exclamaram: “Meu Deus! Agora minha ficha está começando a cair” ou “Se eu soubesse disso antes, não teria optado pela separação. Mas, na época, se eu procurasse uma psicóloga, ele ficaria bravo achando que eu o estava chamando de louco”.
 
Joana – “Cheguei aqui com raiva, medo e tristeza. Achei que seria mais uma reunião do processo, mas me surpreendi. Me sinto melhor e pronta para encarar a vida. Antes só enxergava o lado ruim do relacionamento, agora consigo olhar a parte boa de tudo o que aconteceu e ser grata ao meu ex-companheiro pelo filho lindo que ele me deu. Me sentia inferior a ele, agora sei que somos iguais e que mereço ser respeitada. Se não fosse essa oportunidade não faria essa terapia porque não tenho recursos. Não sou mais a vítima, sou uma mulher que assumiu o seu papel na relação e na vida”, diz Joana, decidida.
 
Durante a Constelação Familiar, a estudante se recordou das inúmeras brigas que presenciou entre os pais antes da separação deles. A terapeuta a fez compreender que a desarmonia entre eles deveria ser solucionada por eles mesmos e não por ela, que ainda era criança à época. E mais, que o ciclo de violência deveria cessar ali.
 
Laura – A enfermeira Laura (nome fictício), 32 anos, era outra vítima que ouvia atenta a cada palavra da orientadora, que explicava sobre como se davam os ciclos de violência através de simulações e exercícios. No início, ela confessou estar cheia de desconfiança e suas expressões faciais não a deixavam mentir. Mas, no decorrer do trabalho, ela foi se soltando e se identificando, até que no fim, se declarou fã da prática.
 
“Nossa! Me identifiquei com a Joana por diversas vezes. Me vi cuidando dos problemas dos meus pais como ela fazia. Me senti verdadeiramente tocada, mesmo tendo participado da constelação apenas como ouvinte. A paz que senti foi tão grande, que por mim, ficaria o resto do dia aqui. Quero saber mais sobre a terapia e passar por ela também”, garantiu.
 
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Mariana Vianna/ Fotos:Tony Ribeiro/F5
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