Linha Direta: juiz extingue ação contra Rede Globo
Linha Direta: juiz extingue ação contra Rede Globo
O juiz Geraldo Fernandes Fidelis Neto, titular da 1ª vara da Comarca de Juína, determinou a extinção, sem julgamento de mérito, da ação de indenização por danos morais ajuizada por uma integrante da Igreja Universal do Reino de Deus em desfavor da Rede Globo de Televisão devido a uma matéria veiculada no programa Linha Direta (processo nº. 119/2007) em 30 de novembro do ano passado. Ela alegou ter sido ofendida com a declaração de um dos entrevistados.
Nesse dia, o programa narrou o caso conhecido como “Lucas Terra”, a história de um adolescente assassinado por um pastor da Igreja Universal, na Bahia. O garoto teve o corpo carbonizado. Em determinado momento da matéria, o pai do adolescente morto, José Carlos Terra, teceu o seguinte comentário: “Eles fizeram a Fogueira Santa com meu filho”. Conforme explicações da autora da ação, “Fogueira Santa” é um ritual litúrgico e sagrado realizado pelos membros da Igreja Universal. Portando, a declaração dada por José Carlos teria ofendido implicitamente os membros da igreja. A autora da ação alegou ter sofrido lesões morais perante a sociedade local em decorrência da transmissão da matéria jornalística.
“Ora, o apontado programa televisivo em momento algum mencionou o nome da reclamante, eis que tal seria quase impossível. Tampouco o nome da Igreja Universal do Reino de Deus foi proferido, e de forma alguma se viu algum letreiro, ou qualquer outra indicação de que o caso teria ocorrido em uma das igrejas dessa agremiação religiosa. Por outro ângulo, o mesmo raciocínio torna-se inevitável no que toca a ilegitimidade da Rede Globo de Televisão para responder à presente demanda, porquanto um dos entrevistados pelo programa jornalístico transmitido foi quem usou o termo ‘Fogueira Santa’, jamais a reclamada, como reconhece a própria autora da inicial”, destacou o juiz Geraldo Fernandes Fidelis Neto.
Conforme o magistrado, o artigo 5º, X, da Constituição da República, estabelece a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral derivado do abuso. “No entanto, a própria Lei Maior, também ao tratar dos direitos fundamentais (art. 5º, inciso IX), garante a liberdade da manifestação do pensamento, independentemente de censura”, acrescentou.
Segundo o Código Civil, para que haja o dever de indenizar torna-se imprescindível a existência de ato ilícito, o dano, o nexo causal entre a conduta e o dano, além da culpa ou dolo do agente causador. O magistrado explicou ainda que a Lei de Imprensa (Lei nº. 5.250/67) dispõe que fica obrigado a reparar, aquele que, com dolo ou culpa, viola direito ou cause prejuízo a outrem, quando do exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação.
“Sendo assim, a ação de indenização por dano moral em tela deveria ter sido proposta contra o entrevistado José Carlos Terra, eis que a Rede Globo, por seus jornalistas e entrevistadores, em momento algum se manifestou seu juízo de valor, limitando-se a informar a sociedade sobre importantíssimos fatos sociais”, esclareceu o juiz Geraldo Fernandes Fidelis Neto. Ele disse ainda que a Rede Globo não ultrapassou os limites da imparcialidade, pois não exprimiu opiniões pessoais, tampouco teceu comentários maldosos, ainda que implícitos, contra a honra da reclamante ou de quem quer que possa ter se sentido lesado.
“Assim, se dano houve, este foi praticado, em tese, pelo entrevistado e não pela emissora de televisão. (...) Não há dúvida de que houve a manifestação de um pai, em razão do assassinato de seu filho, diga-se en passant, queimado, no ápice de suas emoções, que teceu comentários pessoais acerca de sua maneira de enxergar a situação. Por óbvio, era dever do jornalista e da empresa de jornalismo trazer ao conhecimento do público o ponto-de-vista do pai do jovem brutalmente morto, pois trata-se de uma questão de relevante interesse público”, frisou o magistrado.
Em sua decisão, o juiz Geraldo Fernandes Fidelis Neto enalteceu o serviço prestado pelo programa Linha Direta à Justiça. “Vários casos, aparentemente sem solução, já foram deslindados a partir do indigitado programa de televisão, eis que a sociedade passa contribuir com importantes informações e se aproxima do Judiciário, para por fim à impunidade”.
Ele rechaçou a atitude de alguns membros da igreja, uma vez que a mesma petição foi copiada e distribuída para os adeptos da Igreja Universal do Reino de Deus em diversas localidades do Brasil, incitando-os a ajuizarem ações. “Ora, essa circunstância causa, no mínimo, estranheza, pois caracteriza, de forma sem igual, a tão propalada indústria da indenização por dano moral. Ademais, esse fato robustece a alegação de que não foi a reclamante quem se sentiu moralmente lesada com a aludida matéria jornalística, mas sim, outrem, que de forma oculta, busca se utilizar de massa de manobra para seus interesses escusos. (...) O Judiciário não é palco para competições sensacionalistas, levando-se em conta ser de conhecimento público que a Igreja Universal é proprietária de outra rede de televisão, maior interessada em prejudicar a reclamada”, alertou.
“A liberdade de expressão é direito supremo da democracia, consagrado pela nossa Constituição. Contudo, o Brasil tem assistido indignado várias tentativas de afronta a essa garantia constitucional, inclusive, infelizmente, por decisões de seus Poderes, que estabelecem, na prática, a censura prévia. Essas tristes medidas só encontram amparo em regimes totalitários e ditatoriais, como se vê, atualmente, na Venezuela, com a arbitrária negativa à renovação da concessão do popular canal RCTV. Isso não acontecerá, ao menos nestes autos”, finalizou.
Confira aqui a íntegra da decisão.
Lígia Tiemi Saito
(65) 3617-3394

