
Poder Judiciário de Mato Grosso
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11.03.2021 17:58
Violência doméstica: filha não perdoa mãe pela opressão e filho reproduz comportamento do agressor.jpg)
Foi o que aconteceu com Silvana*, 35 anos. Ao se casar ela já tinha a filha Débora* e, emocionada, conta que acabou afastando a menina de si por não perceber os danos psicológicos que a violência em casa estava gerando na adolescente. João*, o filho concebido no casamento, também passava pela mesma vivência e moldava sua personalidade à semelhança do pai agressor.

A filha sofria com a violência que assistia. O menino, que era menor, era facilmente manipulado e acreditava quando o pai falava que a culpa era da mãe, pois era ela quem batia no papai e depois chamava a polícia pra ele. Com o caos instaurado em casa, ela percebeu que o lar que tanto sonhou quando era jovem estava enfermo. “Minha casa era totalmente doente. Até o limoeiro que eu tinha era doente e não dava limão. Não era agressão física, era tortura o que eu sofria, mas ele era bom com as crianças.”
Resultados da violência - Hoje, Débora* não quer morar com a mãe e convive com o pai biológico. “Minha filha cresceu achando que eu não gostava dela. Ela foi ficando cada vez mais reprimida e parou de falar comigo porque não sabia o que eu faria com ela. Foi difícil eu assumir isso porque eu não detectava. Só fui entender quando ela foi morar com o pai e depois de eu fazer muito tratamento e estudar o assunto. Só agora eu percebi o quanto amo minha filha. Ela sofria, ficava deitada na cama e eu não falava nada, não perguntava o que estava acontecendo porque tinha muita coisa pra fazer, serviço, estudo, casa. Acabou que eu dava mais atenção para o menino porque ele fica ali, puxando a saia, pedindo atenção. Ela não, coitadinha. Hoje eu me pergunto que mãe eu fui?”
A relação distante que elas têm foi transformada em uma meta de aproximação que é trabalhada dia após dia pelas duas. A filha não consegue perdoar a mãe pela forma como foi tratada, mas a mãe entende e a auxilia nesse processo de tratamento das feridas internas. O reflexo da dor também se dá em outras áreas da vida da adolescente como o estudo, por exemplo. “Procurei tratamento psicológico para ela também, pois quero que supere esse trauma e que essa distância não dure para sempre. Ela fica comigo nos finais de semana e busco sempre ajuda psicológica para reaprender a tratar minha filha. Não quero que ela, futuramente, vire uma agressora ou uma mulher agredida. Minha filha não conseguiu se curar e isso está afetando de outras formas também. No concurso de bolsa da escola ela tirou apenas 25% de aproveitamento e ela é tão estudiosa.”
O filho mora com a mãe e, cada vez que ele volta a ter um comportamento agressivo ou preconceituoso, ela tenta, de forma lúdica e na linguagem dele, explicar que não é certo. “Ele também frequentou psicólogo para reavaliar as expressões de seus sentimentos. Um dia eu pensei, olha como ele trata a mãe dele, imagine quando crescer como vai tratar a namorada ou a esposa. Hoje ele é um amorzinho e eu sempre explico que podemos brincar de lutinha quando ele está com raiva. Acredito que assim como eu ele está curado.”
Débora e João integram a terceira geração de uma família dilacerada pela violência. Silvana também é filha de uma família desestruturada. O pai, avô materno das crianças, já havia matado a primeira esposa, quando se casou com a mãe dela. Essa, por sua vez, fugiu quando Silvana ainda era bebê. Depois que o pai faleceu, ainda criança, ela foi viver com a família da tia que apesar de muito boa, era também violenta, mas em um grau menor.
Desde os 10 anos ela procurava passar muito tempo fora de casa e, aos 15 anos, já trabalhava e podia se sustentar. Ela conta que durante o período de violência, foi obrigada a deixar o serviço e a virar refém financeiramente, foi humilhada por ter seu corpo alterado pela gravidez, perdeu a autoestima e se tornou outra mulher. Com tratamento psicossocial adequado, ela se recuperou e se reencontrou. Terminou a faculdade, recuperou o amor próprio, é influencer digital com quase 12 mil seguidores, faz inserções em programa de rádio e da televisão mato-grossense com personagem cômico de autoria própria e ainda ajuda outras mulheres.

“Quando um dos pais conseguir se tratar e ter um olhar mais humanizado para essas crianças conseguiremos quebrar o ciclo da violência doméstica. É denunciando e fazendo com que as pessoas enxerguem essa doença, seja ela de qualquer tipo e de qualquer intensidade”, destaca.
A assistente social Renata Moraes, que atende gratuitamente mulheres agredidas na Organização Não Governamental Lírios, explica que o reflexo da violência doméstica alcança os filhos, que também precisa de acompanhamento para que tenha uma evolução no tratamento emocional.

Também a psicóloga voluntária da Ong Cláudia Velasco observa que os filhos que convivem com a violência dentro de casa sofrem por não aceitar a agressão do pai para com a mãe e, por isso, tendem a modificar o comportamento. “Muitos começam a demonstrar comportamento agressivo ou a se recolher a ponto de ter dificuldade de relacionamento familiar, social e escolar. Quando a violência física também alcança os filhos, não é raro que tenham ideações suicidas.”
O tratamento de mães e filhos agredidos é feito de forma com que eles reaprendam a se comportar em um relacionamento. “Eles têm muito receio de falar o que estão sentindo, pois aprenderam com a dor a não se expor. São aprisionados pelos medos”, explica a psicóloga.

Ela explica ainda que alguns dos sintomas percebidos são a mudança nos relacionamentos com os colegas e o baixo rendimento nos estudos.
Série: Essa matéria integra uma série chamada ‘A vida recomeça quando a violência termina: quebre o ciclo’, a qual explorara os vários aspectos e resultados da violência doméstica e familiar. A campanha também é desenvolvida pela TV.Jus, pela webrádio Estação TJ e nas mídias sociais do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (@tjmtoficial).
Assista AQUI à matéria da TV.Jus. Abaixo leia as matérias anteriores da campanha disponibilizadas pelo Portal TJMT.
*nomes fictícios para preservar a identidade das vítimas.
Keila Maressa
Coordenadoria de Comunicação da Presdencia do TJMT
imprensa @tjmt.jus.br