Palestra no TJMT reforça compromisso com os direitos de crianças e adolescentes
“Quem não é visto, não é amado”. A afirmação
do procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Sávio Bittencourt, deu o
tom ao debate ocorrido durante a palestra “Violação e proteção dos direitos de
crianças e adolescentes”, realizada nesta quinta-feira (29 de maio), no
plenário 1 do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).
A palestra integra a programação
do 4º Encontro Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente,
promovido pelo Poder Judiciário de Mato Grosso e Ministério Público, por meio
da Escola da Magistratura (Esmagis), Comissão Estadual Judiciária de Adoção
(Ceja-MT), Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ-MT), Centro de Estudos e
Aperfeiçoamento Funcional (CEAF).
O auditório lotado foi palco de
uma discussão sensível e profundamente crítica sobre a invisibilidade que ainda
marca o sistema de proteção à infância e juventude. “Se não permitimos que
essas crianças sejam vistas, elas também não serão amadas. E isso compromete o
direito mais básico: o de serem cuidadas, protegidas e inseridas em uma
família”, declarou Bittencourt.
Em sua palestra, o promotor
mesclou dados, experiências de vida e provocações éticas, defendendo que o
verdadeiro cuidado é aquele que se manifesta em gestos concretos e não apenas
em discursos de proteção. “O amor falado, que não é vivido, é como um perfume
selado, não muda nada. Crianças não precisam de frases bonitas, precisam de
afeto concreto, do tipo que se mostra ao levar ao médico, buscar na escola,
sentar junto para contar histórias”, disse.
Segundo ele, a
institucionalização, embora necessária em alguns casos, não pode ser
naturalizada como destino final. “Nenhuma criança deveria passar um ano e meio
em acolhimento coletivo. E, no entanto, sabemos que muitas ficam por tempo
indeterminado. Cada dia institucionalizado é uma lesão ao seu direito
fundamental à convivência familiar.”
Bittencourt também foi categórico
ao afirmar que o sistema ainda falha por priorizar os direitos dos adultos em
detrimento das crianças, quando o artigo 227 na Constituição Federal, traz o
direito das crianças e adolescentes como prioridade absoluta. “Erramos mais em
favor dos adultos do que das crianças. Criamos justificativas complexas para
manter uma criança institucionalizada, enquanto ela espera o amor de alguém.”
A juíza auxiliar da
Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso, Anna Paula Gomes de Freitas,
trouxe um ponto prático ao debate: a política de busca ativa pública, praticada
por tribunais como o de Mato Grosso. “Temos postado fotos de crianças e
adolescentes disponíveis para adoção no Instagram da CEJA. Isso nos trouxe
resultados concretos: adolescentes com deficiência, considerados ‘inadotáveis’,
hoje estão em processo de adoção graças a essa visibilidade. Mas ainda
enfrentamos resistências.”
Ela questionou o palestrante
sobre a legitimidade dessa exposição. A resposta foi contundente. “O segredo de
justiça, nesses casos, se torna uma forma de desproteção. A visibilidade
responsável é uma ponte entre o adotante e a criança. Não há amor sem
encontro”.
Bittencourt falou sobre o poder
do encontro e como isso pode mudar vidas. “A gente pode ter mil ideias sobre o
que quer, mas é o encontro que transforma. Uma ficha cadastral não desperta
amor. Mas o olhar, o cheiro, o sorriso, esses sim têm poder de mover corações.”
O juiz Túlio Duailibi,
coordenador da CIJ (Coordenadoria da Infância e Juventude) do TJMT,
compartilhou experiências vividas nas audiências da Vara da Infância. “É raro
ver um adolescente em conflito com a lei que não tenha sido vítima de violação
de direitos. Muitas vezes dentro da própria família. E, infelizmente, nós
também podemos cometer violência institucional, mesmo sem querer.”
A força do trabalho em rede
Representando o Ministério
Público, o procurador de Justiça do Estado de Mato Grosso, Paulo Prado,
agradeceu a provocação trazida por Bittencourt. “Depois de ouvir o senhor, saio
daqui com a obrigação de revisar posições. E mais do que isso, de agir. Porque
o que vimos aqui é um chamado à ação.”
Ele destacou que o trabalho em
rede e a valorização dos grupos de apoio à adoção são pilares do planejamento
estratégico do MPMT. “Precisamos formar promotores preparados, engajados e
conectados com os desafios reais da adoção. Criança não é um processo: é um ser
humano esperando por cuidado.”
Questionado sobre como fomentar
grupos de apoio em comarcas do interior, onde muitas vezes não há estrutura,
Bittencourt respondeu com simplicidade e esperança. “Tudo começa com um convite
e um café. Se tiverem três pessoas dispostas a falar sobre adoção, um grupo já
nasceu. A experiência de escuta mútua muda perfis, abre corações e prepara
emocionalmente os adotantes.”
A secretária-geral da CEJA-MT,
Elaine Zorgetti Pereira, emocionou o público ao recordar a trajetória da
Comissão, criada oficialmente em 2000. “São 25 anos de trabalho, dos quais 15
eu estive à frente como secretária. Só tenho a agradecer aos juízes,
promotores, servidores das varas da infância, vocês são quem faz esse sistema
acontecer. Vocês cuidam de vidas.”
Ela reforçou que o trabalho feito
pela CEJA, vinculada à Corregedoria-Geral da Justiça, é pautado pelo afeto e
pela responsabilidade. “Não são números. São histórias. São crianças. São vidas
que merecem ser vistas, amadas, cuidadas.”
Apadrinhamento, acolhimento e urgência
O palestrante ainda defendeu com
firmeza o fortalecimento de programas de família acolhedora e apadrinhamento
afetivo. “Uma família acolhedora obriga o Judiciário a ser rápido. Porque se a
criança ficar dois anos, ela já está afetivamente ligada. E o apadrinhamento
afetivo pode ser a porta de entrada para uma adoção ou, ao menos, para garantir
a essa criança alguém que a visite, que a chame pelo nome, que a leve para o
Natal.”
Bittencourt encerrou a palestra
com um apelo à coragem dos profissionais do sistema de justiça. “Trabalhar com
infância exige amor corajoso. Amor que sai da zona de conforto, que enfrenta
críticas, que erra tentando acertar. Amor que, mais do que falar, cuida. Como
diz a canção: ‘quando a gente ama, é claro que a gente cuida’.”
E completou: “A nossa carreira não será medida pelos cargos que ocupamos, mas pelas vidas que ajudamos a transformar. E isso começa quando temos a coragem de olhar nos olhos das crianças invisíveis e dizer: eu te vejo”.
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Josiane Dalmagro / Foto: Josi Dias
Coordenadoria de Comunicação do TJMT
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